São Paulo, quarta-feira, de dezembro de
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"Hebe" é versão ao vivo da charge política

ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA

Por determinação do SBT, o programa "Hebe" a partir de hoje não vai ao ar ao vivo. Caso a decisão da emissora persista, a censura a uma das apresentadoras mais antigas e populares da televisão brasileira visa limitar a campanha insistente contra a corrupção política que Hebe vem desenvolvendo. Como se, ao insistir nas denúncias e chamar a atenção para decisões duvidosas dos parlamentares, a apresentadora faltasse com o respeito à imagem que os poderosos gostariam de impor.
Longe de qualquer violação, a performance anticorrupção de Hebe se aproxima da charge política, criando uma versão televisiva da sempre ardida ilustração de jornal. Tolera-se uma. Por que não tolerar a outra? Hebe Camargo é uma instituição da televisão brasileira.
Com uma carreira iniciada no rádio, ela está na TV desde os primeiros dias de Tupi. Cantora, vedete, atriz e apresentadora, dama e senhora, Hebe sintetiza como ninguém o caráter fugidio do significado em televisão. Durante um mesmo programa, a apresentadora pode encarnar as mais diferentes facetas. E nenhuma delas isoladamente define a imagem da atriz.
É justamente sua capacidade de aparecer com múltiplas caras, encarnando e dando vazão a anseios contraditórios de seu público, também diversificado, que garante sua vida perene na telinha. Hebe pode se apresentar com saias curtas, decotes sensuais, penteados fálicos e frases de duplo sentido. Mas nunca deixa de representar, ao mesmo tempo, a eleitora conservadora e a senhora de bem.
Em "Hebe por Elas", programa suspenso há algum tempo, ela já abriu espaço para telespectadoras contarem suas experiências pessoais, para figuras heterodoxas como drag queens e para discursos antidiscriminação da mulher e do negro. Mas aparecia também como estrela moralizadora, capaz de promover a conciliação e apaziguar esses conflitos.
Mas a sobreposição de repertórios contraditórios funciona enquanto a apresentadora estiver "antenada" com as aspirações do público. A gravação prévia violenta a espontaneidade e o improviso essenciais ao programa.
"Hebe é complexa. Ela muda de assunto com a mesma fluidez com que os assuntos mudam em nosso cotidiano", define um fã da apresentadora. Essa transmutação constante agrada a alguns e causa constrangimento a outros.
Mas ela garante um público fiel e diversificado que se sente representado pelo luto da apresentadora por ocasião de uma votação duvidosa, ou pelo bolo verde e amarelo cobiçado por moscas daninhas, que parece ter sido a gota d'água na tensão que já se acumulava entre Hebe e o Congresso Nacional.
Se Hebe está ou não motivada por interesses pessoais aludidos na nota do SBT, não se sabe. Mas sua campanha expressa uma desconfiança que é praticamente unânime entre os brasileiros. As pressões políticas sobre o programa reforçam a indignação geral.
Vinda de quem vier, a censura às caricaturas irônicas da apresentadora só reforça a suspeita de que há mais podridão a ser revelada. Cabe ao Congresso se defender abandonando métodos escusos e agindo de maneira transparente e pelos meios democráticos.

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