São Paulo, segunda-feira, 6 de março de 1995
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Que fede, fede

JOSIAS DE SOUZA

BRASÍLIA — Diz-se de Fernando Henrique que a paciência é, entre as virtudes que lhe douram a personalidade, uma das que mais reluzem. Viria daí o seu apego ao "processo", à idéia de que o governo deve ser servido lenta e gradualmente, em fatias.
De Itamar Franco, seu estouvado antecessor, afirma-se que é a honestidade o dote que se lhe deve realçar. O escritor canadense Laurence J. Peter dividiu o homem em três categorias: os de bem, os que se dão bem e os que são flagrados com os bens. Itamar seria do primeiro tipo.
Pois um passeio pelos bastidores da Brasília de nossos dias revela que nem a paciência de Fernando Henrique é tão sólida, nem a honestidade de Itamar é inescrutável. O presidente está pelas tampas com o antecessor, que o acusa e a seus auxiliares de tentarem enlamear sua ainda fresca administração.
O que desafia a paciência de Fernando Henrique são as idiossincrasias de Itamar. Ele recusou convite para acompanhá-lo na viagem ao Uruguai. E não diz que raios pretende fazer da vida, se aceitará ou não a sinecura de Portugal.
O que suaviza o conceito de honestidade de Itamar é a pressão que exerceu, direta e indiretamente, para que o governo deitasse um rochedo sobre o escândalo da farta distribuição de concessões de serviços de telecomunicações promovida no apagar das luzes de sua gestão.
Itamar e Fernando Henrique falaram-se pelo telefone. Da conversa resultou um acordo que desonra o presidente, desmerece o ex-presidente e lança suspeita sobre ambos.
O presidente ordenou ao ministro Sérgio Motta que desse por encerrada a polêmica das concessões. E mandou que seu porta-voz cobrisse Itamar de elogios. Deu-se de barato, sem qualquer investigação, que, embora o episódio exale mau cheiro, nada há de podre sob os papéis assinados pelo ex-ministro Djalma Morais.
Submetida à inacreditável fedentina dos últimos anos, a sociedade brasileira aguçou o próprio olfato. E não merece que o nariz que acaba de eleger pareça, assim de saída, tão relapso.

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