São Paulo, terça-feira, 7 de março de 1995
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Livros-objetos e 'Facas' exploram os limites

CARLOS E. UCHÔA FAGUNDES JR.
ESPECIAL PARA A FOLHA

Exposição: "A Fronteira dos Vazios" e Carmela Gross
Onde: Museu de Arte Moderna de São Paulo (Parque do Ibirapuera, Portão 3, tel. 011/549-9688)
Quando: Abertura hoje, às 19h, até 16 de abril, de terça a sexta, das 13h às 19h, sáb e dom, das 11h às 18h

Duas exposições mostrando que a arte contemporânea não respeita limites entre as várias modalidades do pensamento plástico começam hoje no MAM (Museu de Arte Moderna) de São Paulo.
A primeira, "A Fronteira dos Vazios", é uma exposição de 123 livros-objetos feitos por 34 artistas, incluindo gerações que vão dos anos 50 aos 90, com curadoria de Marcio Doctors.
O livro-objeto, como chama o curador, instala um território de bordas indeterminadas, porque justamente lida com a intersecção de modalidades, a poesia, a escritura, o objeto, o desenho, a pintura, e, sobretudo, a gravura, de onde se origina a noção de série tão cara a qualquer idéia de "livro".
No Brasil, o impulso fundador dessas experiências foi nos anos 50, com a poesia visual do concretismo e os experimentos espaciais do neoconcretismo. O livro-objeto, em geral, se transforma, desdobrando-se no espaço, à medida em que o espectador o manipula, criando uma série de possibilidades. O espaço da obra, assim, enreda o espectador, invadindo seu próprio espaço vital.
Isto se vê não só nos livros-objetos que são mais claramente "interativos", como o de Lygia Pape (anos 50) ou Lula Wanderley (anos 90), mas também com "Matisse/Talco" (anos 70) de Waltércio Caldas Jr., onde uma complexa operação de cultura se tece pelo elemento de manipulação (talco) que impregna e cola a esfera do espectador à da obra. Esta impregnação está muito presente nesses "livros"; ela é sempre conceitual e muitas vezes também física.
Ao pôr a nu esses jogos importantes para a arte, explorando as questões da série e do desdobramento da obra no espaço do espectador-"leitor", que pressupõe uma multiplicidade de olhares, o livro-objeto é uma grande arma de investigação para arte contemporânea e não apenas um apêndice menor na obra de bons artistas.

Carmela Gross
O trabalho da artista plástica Carmela Gross impressiona pela maneira inteligente como as várias técnicas se articulam ao longo do tempo para servirem à investigação de um mesmo pensamento plástico.
Quem não se lembra dos "Buracos" que mostrou em 1994 no projeto Arte Cidade? Presente também na outra exposição do MAM com seus livros de carimbos, perdura a investigação sobre o desenho, o "acaso" e a seriação, a mesma preocupação que se revela em suas "Facas".
Trabalhando com a cerâmica, Carmela investiga as várias possibilidades contidas em ações mínimas, repetidas no processo de trabalho, como bater, rolar com a mão, cortar. Cada ação vai se refinando, expondo as inflexões mínimas da mão, como uma outra face do desenho. Ainda do desenho vem uma idéia de percurso temporal: como a linha que percorre o espaço, também a argila toma forma pela duração de um gesto, num trajeto linear ou rotatório.
O nome "facas" lhe ocorreu como elemento de coordenação de todas as séries justamente por ele ser, culturalmente, um instrumento de relação.

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