São Paulo, sexta-feira, 10 de março de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Paul Newman e roteiro sustentam 'Indomável'

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

Filme: O Indomável - Assim É Minha Vida (Nobody's Fool)
Produção: EUA, 1994
Direção: Robert Benton
Elenco: Paul Newman, Jessica Tandy, Melanie Griffith, Bruce Willis
Onde: a partir de hoje nos cines Ipiranga 1, Astor, Eldorado 4, Morumbi 2 e circuito

"O Indomável" pertence a uma saga recorrente no cinema americano, que é a análise do modo de vida de pequenas cidades. No caso, pode-se incluir o filme no subgrupo das cidadezinhas gélidas, como North Bath. Pode-se, por fim, ver "O Indomável" como um trabalho destinado ao mercado da terceira idade.
A saga das cidadezinhas costuma mostrar como, por trás de uma aparência afável, rolam a hipocrisia generalizada, ódios e conflitos. Há um quê frustrante nisso: chega-se sempre à conclusão de que a cidadezinha é, no fundo, igual à cidade grande.
Nesse particular, "O Indomável" marca pontos em dois frontes. Primeiro, porque as pessoas de North Bath não têm nada de hipócritas. Colocam seus ódios e paixões para fora mais ou menos em tempo integral e com a devida clareza. Segundo, porque o filme consegue transmitir a sensação de um inverno eterno, de um frio interminável e relacionar essa característica com os personagens.
Um terceiro aspecto, porém, é o que norteia o filme. Ao colocar Donald Sullivan (Paul Newman) no papel central, o diretor-roteirista Robert Benton mostra um excêntrico cuja vida parece ser feita de sucessivas perdas: a casa paterna, a mulher, o filho, o trabalho.
Sully não é bem um perdedor. É, antes, um sujeito que empurra a vida com a barriga. Um inconformista à sua maneira. Um fracassado segundo os padrões sociais.
Quando a ação começa a se desenvolver, veremos este homem pouco afeito às convenções às voltas com o trabalho, o dinheiro, a família, os amigos, o amor. Enfim, tudo que constitui a vida de uma pessoa normal.
Como Sully tem 60 anos, o filme levará o espectador à reconfortante conclusão de que quando os cabelos se tornam brancos ainda há muito óleo para queimar. Vale o mesmo para alguns personagens que o cercam, sobretudo miss Beryl (Jessica Tandy), a excêntrica senhora que acolhe Sully em sua casa (e o prefere ao filho, um negociante bem-sucedido).
Existem ainda os jovens, como o filho de Sully, que chega à cidade com a família para passar o Natal (com a mãe) e começa a viver uma experiência de reconciliação com o pai, a quem mal conhecia.
Por todos os títulos, "O Indomável" centra fogo nessa idéia de que a vida, embora seja uma sucessão de perdas e danos, tem suas compensações, elas são quase sempre inesperadas, nunca é o caso de desesperar.
Tudo isso é muito singelo, não promove nenhum vendaval no pensamento do Ocidente. Mas o filme tem a seu favor alguns pontos relevantes. Um deles são os atores. Do carisma de Paul Newman (indicado para o Oscar, embora o papel não exija tanto assim dele) à exuberância de Melanie Griffith, Robert Benton trabalhou com um grupo homogêneo e cuidou de sua direção.
O outro é o roteiro do próprio Benton, adaptado de um romance de Richard Russo (e também indicado para o Oscar). Nesse sentido, "O Indomável" está mais perto da secura de "Uma Rajada de Balas" (o "Bonnie & Clyde" de Arthur Penn, escrito por ele) do que da xaropada de "Kramer vs. Kramer", que levou, entre outros, os Oscars de melhor filme e direção de 1979. No mais, "O Indomável" é um filme de roteirista: ilustra bem, cria pouco."Eu me sinto atraído por situações em que os personagens conduzem a ação", diz o diretor Robert Benton sobre "O Indomável".
Partindo de alguém que dirigiu "Kramer vs. Kramer", a frase parece até uma confissão. Ou seja, um modo de dizer que, enquanto os personagens cuidam de si mesmos, o realizador toca o barco sem ter de esquentar a cabeça com essas coisas.
Mas isso é ignorar que Benton é, antes de tudo, um admirável roteirista, capaz de escrever desde o seco "Uma Rajada de Balas", de Arthur Penn, até uma comédia rasgada, tipo "Essa Pequena É uma Parada".

Texto Anterior: Quem foi Louisa May Alcott
Próximo Texto: Redford critica submissão da mídia ao entretenimento
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.