São Paulo, sexta-feira, 10 de março de 1995
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A honra do ministro

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO — Alguma coisa de grave está balançando o coreto tucano. Tivemos o desabafo do presidente da República quando um jornalista perguntou o que ele faria se dependesse do salário mínimo. De sua resposta sobrou apenas o nhenhenhém que acabou voltando-se contra ele. Pior: definindo-o.
Agora foi o ministro da Fazenda, que tem a seu favor o fato de não depender de votos e, aparentemente, de partidos. Sua fleugma entrou em erosão. Respondendo ao deputado que o indagou sobre vazamentos da alteração na taxa cambial, reagiu como se a pergunta questionasse a sua honra pessoal.
Afinal, quem levantou a lebre foi Delfim Netto, que no passado recebeu acusações iguais e até piores. Tanto Delfim como Malan, cada qual em seu tempo, sofreram denúncias de vazamentos, exigiram provas em cartório, evidente que nada se provou contra ou a favor.
Sem a profissionalização do serviço público, os funcionários e técnicos que assessoram presidente, ministros e comissões são recrutados da iniciativa privada. Ao deixarem o governo, retornam ao emprego original com o cacife pessoal aumentado. É fácil imaginar como o cacife foi ampliado.
A única hipótese de moralização nesses trancos da economia nacional seria a certeza de que, presidente e ministros, assessorados somente pelo Espírito Santo e pelo amor à nação, tomassem as providências que do dia para a noite aumentam o valor de papéis, inclusive o papel que interessa, que é o da moeda.
Para concretizar a variação de 1% ou 2% na taxa do dólar, a burocracia necessita de relatórios, pareceres, estatísticas e projeções. Dezenas ou mesmo uma centena de pessoas são consultadas e acionadas —é por aí que o vazamento escorre.
Dispensava-se o ministro de fazer protestos de sua honra pessoal. Seria melhor se tivesse prometido apurar o caso. Pode parecer difícil esse tipo de apuração, mas quando há interesse político na questão, costumam aparecer até mesmo os cheques que pagaram despesas da padaria que abastecia a Casa da Dinda.

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