São Paulo, sábado, 11 de março de 1995
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Custo Brasil - a hora e a vez da reforma do Estado

ROBERT JOHN VAN DIJK

No rastro da atual crise financeira mexicana, têm surgido, no Brasil, alguns questionamentos da amplitude do processo de liberalização da economia brasileira, em particular do programa de privatização. Valendo-se do fracasso do modelo de ajustamento do México, esses críticos pretendem desfigurar o programa, introduzindo o conceito sutil de "flexibilização" dos monopólios da União.
Recuamos muito, portanto. Já não se fala mais em extinguir esses monopólios e privatizar as grandes empresas estatais dos setores de telecomunicações, energia elétrica, mineração e petróleo. Agora se fala —não sem certa afetação— em "flexibilizar" os ditos monopólios. Ou seja, permanecem as grandes estatais, mas o governo passa a conceder autorização para a entrada de empresas privadas nesses setores. Como se fosse possível que essas estatais, habituadas à ineficiência característica do poder de monopólio e da condição de pertencerem ao Estado, pudessem competir em pé de igualdade com as empresas privadas.
Foi com perplexidade que o setor privado recebeu as novidades na área dos monopólios. Estaremos diante de mais um expediente para retardar o programa de privatização e limitar sua amplitude? Ou será que a idéia é extinguir as estatais através da competição com empresas privadas, porém sem qualquer retorno para o Estado?
É importante desmistificar as conclusões apressadas e equivocadas que têm sido extraídas aqui no Brasil do infeliz episódio que ainda envolve o México. A crise mexicana decorreu, fundamentalmente, do fato de aquele país ter procurado sustentar desequilíbrios crescentes e prolongados no balanço de pagamentos, financiados por capitais voláteis de curto prazo e amparados numa taxa de câmbio artificialmente valorizada. Para a emergência da crise concorreram, ainda, fatores de instabilidade política, como o movimento insurgente de Chiapas e o assassinato do principal candidato às eleições presidenciais do ano passado.
Portanto, o quadro de deterioração econômica em que se encontra o México não tem nada a ver com o programa de privatização lá efetuado, o qual, diga-se de passagem, foi implementado com grande sucesso.
Os acontecimentos que abalaram o México nos reservam, porém, uma importante advertência. Daqui para a frente, é de se esperar uma mudança dramática no quadro de oferta folgada de capitais para os mercados de capitais ditos emergentes.
No período 1990/94, o fluxo global de investimentos estrangeiros privados canalizados para os países em desenvolvimento evoluiu de US$ 45 bilhões para US$ 173 bilhões. Um crescimento brutal, explicado basicamente pelas baixas taxas de juros nos EUA, Europa e Japão no início desse período, bem como pelas politicas de ajustamento interno que tornavam, por exemplo, México e Argentina promessas de alta rentabilidade e rápido retorno.
Hoje, as taxas de juros de curto prazo nos EUA dobraram em relação a um ano atrás. E as adversidades agora defrontadas pelo México —e seu possível contágio sobre a Argentina— tornaram o investidor estrangeiro um ente avesso a repetir o açodado mergulho feito nos últimos anos em alguns mercados de capitais emergentes.
Para a economia brasileira num sentido global, a ausência desse capital volátil não deverá ser tão sentida. Para o mercado de ações, entretanto, que começava a se habituar com a presença estimulante desses novos participantes, essa perspectiva certamente não é animadora. A acentuada reversão do quadro de valorização das ações a partir de dezembro ilustra bem esse novo ambiente.
É de se lamentar, neste ponto, a repercussão negativa que a retração do mercado secundário poderá provocar sobre a decisão dos empresários em abrir o capital de suas empresas e lançar novas ações no mercado primário. Com efeito, os registros de lançamentos de novas ações no mercado primário vinham aumentando de forma expressiva em 1994, estimulados com a valorização dos últimos anos. No ano passado, o mercado primário absorveu US$ 3,1 bilhões em novas ações, contra uma média anual de US$ 820 milhões nos quatro anos anteriores.
Assim, o esgotamento deste tipo de canal de absorção de poupança externa pode comprometer também o ingresso de capitais de longo prazo, os quais normalmente se seguem à incursão inicial dos capitais de natureza especulativa.
Devemos nos preparar, portanto, para desenvolver mecanismos de atração de investimentos produtivos do exterior (capitais de longo prazo) e para estimular a poupança doméstica. Mas, para que esses canais tenham condições de florescer, o país não pode mais retardar o início das reformas estruturais destinadas a reduzir, de forma efetiva, o papel do Estado na economia e a incrementar a poupança e o investimento privados.
Para atrair capitais de risco do exterior, precisamos remover as restrições constitucionais à participação do investimento estrangeiro na economia brasileira, em particular desmontando os monopólios da União (evidentemente, assumindo todos os cuidados para não criar novos monopólios privados).
Para estimular a decisão de investir, não podemos prescindir de uma reforma fiscal ampla, que desonere a produção e o investimento produtivo. Se desejamos fomentar a poupança doméstica, precisamos reformar a Previdência Social, abrindo condições para o surgimento de uma indústria atuante de fundos de pensão, cujas reservas poderão contribuir de forma expressiva para o financiamento do processo de desenvolvimento econômico nacional.
E para reduzir a dívida pública (e com isto as taxas de juros) e os gastos do governo, devemos progredir com firmeza no programa de privatização de empresas estatais. Isto significa "transferência de controle", o que exclui artifícios sutis concebidos por aqueles que insistem em preservar privilégios e ineficiências.
Como se vê, a crise mexicana é um fator a mais a nos empurrar com maior determinação para as reformas do Estado. Ela jogou luz sobre os riscos do câmbio desajustado e marcou o encerramento de um período de fartura de capitais voláteis para os países em desenvolvimento.
Para nós, brasileiros, deixou clara a necessidade de contarmos com nossa própria capacidade de poupança e investimento, para o que precisamos redesenhar o papel do Estado na economia. Reduzir o custo Brasil implica em cortar os excessos de peso do Estado. E é isso que devemos fazer. Chegou a hora de agir!

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