São Paulo, domingo, 12 de março de 1995
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Uma situação extraordinária

JANIO DE FREITAS

A crise em que o governo está metido, passados apenas dois meses de sua instalação, é muito maior do que o espasmo sofrido pelo real. Por falta de comando, de intermediações e de eficácia, tanto quanto por excesso de ambições pessoais, o governo está atingido por problemas graves no seu interior, na frente política e agora também na parcela da opinião pública que tem influência.
A cúpula do governo, aí compreendidos o presidente, seus principais assessores diretos e os ministros, é uma barafunda que ninguém entende e em que ninguém se entende. Na ânsia de projeção e facilitados pela desorganização total, ministros invadem áreas alheias com sem-cerimônia de quem estivesse na própria cozinha. Os vitimados por estes atropelamentos da ambição sequer recebem a consideração mínima de uma aparente consulta, de um aviso.
São bem ilustrativos desta bagunça o fim do domínio da Previdência e da Saúde sobre R$ 5 bilhões dos seus recursos e a mudança de data, com retardamento de meio mês, do pagamento dos funcionários. Em nenhum dos dois casos, como em tantos outros, os ministros interessados foram ouvidos. Não por acaso, as duas medidas, como tantas outras, saíram do Planejamento de José Serra.
Causa ou efeito, ainda não dá para saber com certeza, da balbúrdia, encobertas por ela travam-se várias guerrilhas, em que se opõem, sobretudo, os que tentam apenas trabalhar e os que buscam firmar-se como um pequeno grupo de predomínio absoluto sobre o governo. Mas não consta que Adib Jatene, Pedro Malan, Reinhold Stephanes, Pérsio Arida, e outros ainda, se tenham transformado em complacentes com cerceamentos à eficiência do seu trabalho e com desrespeitos pessoais. Se de repente um destes, e mesmo mais de um, deixar a cadeira vazia, será apenas o desdobramento moralmente lógico da situação interna do governo.
Situações de desordem assim só costumam resolver-se com a intervenção do pulso forte. Mas, em geral, tais situações se criam exatamente porque não há comando. E onde ele inexiste, outros comandos proliferam. É o que chamam, na sublinguagem atual, de ocupação dos espaços. E, como ensinam já no colégio, não há lugar para dois corpos no mesmo espaço. Logo, para reassumir (no presente caso, não mais do que enfim assumir) o comando, é preciso deslocar quem ocupou o vazio. E esta é uma operação difícil, que quase nunca se consuma.
Os problemas do governo estão atribuídos à rebeldia dos partidos supostamente governistas e à reivindicação inatendida de cargos, às desconsiderações de que parlamentares são vítimas por parte dos palacianos. Pode-se oferecer outra interpretação. O presidente e alguns outros difundiram a impressão, mesmo negando pacotes de impacto, de que o governo mostraria grande eficiência logo de saída. Prometiam as propostas de reforma constitucional no dia mesmo em que o novo Congresso se instalasse o encaminhamento imediato de projetos de lei, várias alterações de caráter administrativo. De recuo em recuo, de modificação em modificação das propostas de reforma, nada do anunciado se cumpriu. Em lugar da atividade eficiente, o governo exibiu uma falta de iniciativa espantosa. Nos seus poucos atos, enfiou os pés pelas mãos. Os parlamentares, entre eles os do PSDB mesmo, passaram a fazer péssima idéia do governo. E ninguém respeita imagens desqualificadas.
O que aconteceu no Congresso reproduz-se na opinião pública. O espasmo do real derrubou a impressão de competência que os meios de comunicação ainda preservavam na opinião pública. A imagem de governo que havia na semana passada, já artificial, não existe mais. Nem nos botequins, nem nos salões e gabinetes.
Tudo isto em apenas dois meses é, sem dúvida, um feito extraordinário.

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