São Paulo, domingo, 12 de março de 1995
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Nordeste torra rios de dinheiro

GILBERTO DIMENSTEIN
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Em 1979, ainda faltava meia década para o fim do regime militar. Naquele ano, o governo federal lançou na pequena cidade de Ibimirim, no interior de Pernambuco, um projeto de irrigação de 8.000 hectares.
O projeto deveria estar concluído em 64 meses e seis dias. Passados 16 anos, quase uma geração, permanece inconcluso.
O município de Ibimirim é citado em documento concluído sexta-feira pelo Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal.
O dossiê mostra os descalabros do combate à seca no Nordeste, através da construção de açudes, barragens e projetos de irrigação.
São listados 50 projetos que, desde 1979, consumiram R$ 408 milhões em sete Estados, mas estão atrasados ou paralisados e, por isso, em fase de deterioração. "Estamos jogando dinheiro fora, enquanto gente morre por falta de água", afirma o ministro Gustavo Krause, do Meio Ambiente.
Apenas um dos projetos paralisados do Departamento Nacional de Obras contra a Seca (DNOCS), no município de Alto Santo (CE), beneficiaria 2,5 milhões de pessoas. É o açude Castanhão, lançado em 1991. Passados quatro anos, estão prontos só 2% da obra.
Os números exibidos pelo documento, segundo Krause, apontam para "corrupção, clientelismo, descaso e incompetência".
Indicam também falta de planejamento: aprova-se no orçamento verba para determinado projeto, que, depois, é esquecido e acaba parado. "Espalhamos pelo Nordeste monumentos vivos ao desperdício", acrescenta Krause.
A construção do açude Joana, no interior do Piauí,(PI) começou em 1984. O açude deveria estar pronto dois anos depois. Geraria, segundo o texto do dossiê, alimentos a cem pessoas por dia através da pesca. Com nove anos de atraso, apenas 40% do projeto estão terminados.
Os trabalhos do açude Joana estão paralisados e não existe prazo para seu reinício. Ali foram enterrados, até agora, R$ 1,8 milhão.
O dossiê mostra como é comum projetos parados por cinco anos. É o caso da barragem Brasileiro, em Campo Alegre de Lourdes, que forneceria água a 150 famílias. Gastaram-se R$ 50 mil e concluiu-se apenas 10% da obra.
Há três projetos, todos em Alagoas, que lideram a lista dos paralisados: ao todo, já absorveram R$ 5,6 milhões. Estão parados há 62 meses. São três barragens no interior daquele Estado que estão com as obras paralisadas.

Casos perversos
O documento revela também que são comuns preços exagerados para as obras, que acabam exigindo o cancelamento dos contratos.
A construção do açude Trusse, em Iguatu (CE), deveria estar encerrada em 1993. Faltam 40% dos trabalhos. Uma sindicância, porém, concluiu que a construtora deveria devolver aos cofres públicos R$ 910 mil —aproximadamente 10% do valor investido.
O DNOCS constatou que os preços pagos pela Prefeitura de São João do Piauí (PI) para a construção de um açude, capaz de beneficiar 30.240 pessoas, estava supervalorizado. A obra parou.
O governo está cobrando da construtora do açude Oticica, em Jucurutu (RN), R$ 1,5 milhão —30% do valor do investimento.
Há casos perversos, em que falta pouco para que a obra seja, enfim, acabada.
Um desses casos é o do açude de Serrinha, sertão pernambucano. Sua construção começou em 1983 e deveria acabar em três anos, armazenando 311 milhões de metros cúbicos de água. Isso beneficiaria 50.400 pesoas. Só o pescado do açude alimentaria 3.100 pessoas por dia.
Para fazer o açude de Serrinha, já foram gastos R$ 20 milhões. Faltam mais R$ 4 milhões. O açude está quase pronto: 95% da obra foram feitos. Mas os 5% que faltam impedem seu funcionamento.

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