São Paulo, domingo, 12 de março de 1995
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Reengenharia do Brasil é tarefa para um time de "intocáveis"

FERNANDO CANZIAN; NELSON BLECHER
DA REPORTAGEM LOCAL

"É chegado o momento da reconstrução do Estado. A palavra da moda é reengenharia". Esquartejar o monstro estatal brasileiro e em seu lugar moldar uma anatomia racional e eficiente, desejo manifestado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, é uma louvável intenção. Mas é possível? Em que proporção a máquina do governo suportaria uma "reengenharia" —termo que designa a última geração de técnicas de reorganização de empresas?
A Folha pediu aos três maiores especialistas internacionais sobre o assunto um exame sobre o paciente Brasil. O diagnóstico não é nada animador.
"Após 20 anos, o Brasil precisa reiventar o governo", concorda com o presidente o mais reverenciado teórico da administração moderna, Peter Drucker. Mas, outra coisa é pôr —e como pôr— a mão na massa.
"O Brasil precisa de um time de 'intocáveis' se quiser se reestruturar", sugere David Osborne, autor de "Reiventando o Governo" e consultor de Clinton para a reengenharia do Estado americano, prevendo as resistências dos esquemas de corrupção. Na próxima quarta-feira ele estará vendo o nosso monstro de frente, em Brasília.
Mas não só os grupos que se beneficiam ilicitamente do dinheiro público erguem barreiras. A reengenharia do governo esbarra, simultaneamente, nos tentáculos do gigantismo, nos vícios do corporativismo, em leis anacrônicas, e no atraso secular do setor público.
Países menos jurássicos do que o Brasil já estão há tempos na rota da reengenharia. São os casos dos EUA, do Canadá, da Nova Zelândia e até da vizinha Argentina.
O exemplo norte-americano é enfático. Em 18 meses de reengenharia, comandada por John Kamensky, diretor-executivo do "National Performance Review" (Revisão da Performance Nacional), os EUA cortaram US$ 63 bilhões em despesas e dispensaram 102 mil funcionários públicos.
Ele, que é o braço-direito do vice-presidente Al Gore, disse à Folha que descobriu que um em cada três funcionários públicos dos EUA ocupava um cargo de gerência. "Resolvemos cortar isso", afirmou.
Entre os especialistas brasileiros, os exames não apontam resultados clinicamente diferentes. "O Estado é um cadáver de onde urubus tiram pedaços em troca de vantagens. É praticamente impossível fazer a reengenharia do Brasil", afirma Antoninho Marmo Trevisan, com a autoridade de quem já foi secretário de Controle das Estatais.
O tamanho da carcaça: o país tem oito milhões de funcionários públicos, dois milhões só nas empresas estatais. Ao todo, correspondem a um contingente superior ao de brasileiros que declaram imposto de renda e —atenção— a 40% do total de trabalhadores com carteira assinada.
Além disso, as empresas estatais (149 vinculadas ao governo federal) raramente têm seu desempenho avaliado e são usadas politicamente.
"Nas nomeações para diretorias, dificilmente existem avaliações técnicas. Prevalece o apadrinhamento político", diz Luiz Carlos Delben Leite, 49, ex-presidente do BNDES.
A estrutura dessas empresas é pródiga em oferta: são 7.500 cargos de direção, em média 50 em cada companhia.
A surrealista ineficiência do setor público continua produzindo diariamente novos episódios. Na quarta-feira a Procuradoria Regional da República flagrou 35 mil funcionários, admitidos como faxineiros e seguranças, que recebiam salários de oficiais de Justiça.

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