São Paulo, domingo, 12 de março de 1995
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Ao ritmo do canto triste de um mariachi

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DE DOMINGO

"México, México", repetia entre dentes Richard Gere, dublê de Jean-Paul Belmondo em "Breathless", versão Hollywood de "A Bout de Soufle" —no Brasil, "Acossado", obra-prima de Jean-Luc Godard.
"México, México", repetem economistas, operadores da bolsa, "dealers" e milionários.
"México, México", sussurram os velhos capas pretas e os novos colarinhos brancos do admirável mundo novo em que vivemos.
"México, México", murmuram os postes, os paralelepípedos e os cães vadios, nas madrugadas dos centros financeiros das grandes metrópoles.
Cruzo a portaria de meu edifício e o porteiro sonolento me olha do alto de seu metafísico bigode Cantinflas: "E o México?" —pergunta como quem enfrenta a face da esfinge.
"A crise mexicana mudou os sinais de uma hora para outra", explica-me do outro lado da linha meu amigo americano, instalado numa grande agência do governo brasileiro.
O problema —me diz— é que antes do México tratava-se para o governo de, desesperadamente, conter a inflação. Segurar o câmbio, rebaixar as tarifas de importação e criar um choque de oferta.
Mesmo que se chegasse a um déficit de conta corrente em torno de 2% do PIB —no México era de 5%— restaria a alternativa de uma compensação através da atração de capitais. Aqueles mesmos dinheiros andarilhos que foram para o México e a Argentina —e sem os quais nuestros hermanos já teriam muito antes, com o perdão da coloquialidade de meu amigo, pedido penico.
Mas esta idéia foi para o espaço: com a crise mexicana, o governo teve que mudar a conversa. Se antes era "tudo para conter a inflação", agora é "tudo para conter a inflação, mas... o México, o câmbio, o déficit na balança, a fuga de capitais..."
A resposta ao canto triste do mariachi foi o concerto da banda cambial, que desconsertou o mercado com sua desafinação técnica —a idéia de que se poderia criar um mecanismo "deslizante", anunciando hoje o limite de CR$ 0,98 que se desejaria chegar, em maio, para o valor do dólar.
O barulho acabou contornado, mas as dúvidas permanecem. Se era CR$ 0,98, como acreditar que CR$ 0,93 (teto agora estabelecido, sem data para mudar) é o "correto"? E que é suficiente para realizar a idéia do governo de um superávit em torno de US$ 5 bilhões no comércio externo —com um déficit, aceitável, em conta corrente em torno de 1% do PIB?
Vou ouvindo todas essas intrincadas explicações de meu amigo americano sobre como o México, esse país de surrealistas, borrou o mundo pastel da globalização com o pigmento ardido de seu muralismo. E sinto-me, por um instante, solidário com meu porteiro.
Entendo tudo perfeitamente: estamos, de fato, nós dois, como diz o presidente, metidos num processo.

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