São Paulo, domingo, 12 de março de 1995
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Falta de controle é situação 'maquiavélica'

FERNANDO CANZIAN; NELSON BLECHER
DA REPORTAGEM LOCAL

O Estado brasileiro é um gigante sob vários aspectos.
Tem oito milhões de funcionários federais, estaduais e municipais e milhares de empresas e órgãos públicos.
Só na esfera federal, o governo comanda 149 empresas que empregam 800 mil funcionários. As empresas ligadas a Estados e Municípios têm outros 1,2 milhão de empregados.
Para o consultor Antoninho Marmo Trevisan, ex-secretário da Sest (Secretaria de Coordenação e Controle das Empresas Estatais) entre 1986 e 87, o problema fundamental é que tornou-se praticamente impossível determinar quem detém o poder nos orgãos e empresas públicas.
Há 7.500 cargos de direção nas estatais federais, o equivalente a 50 por empresa.
"E as nomeações nestes cargos não são técnicas, mas políticas. Levam em conta o poder de influência e votos que geram", diz Trevisan.
"A situação atual dessas empresas é maquiavélica, pois sequer existem informações sobre elas. A base para o controle deveria ser justamente a transparência", diz.
Como agravante, várias estatais usam diferentes projeções do PIB (Produto Interno Bruto) para auferir resultados -o que torna difícil a comparação de desempenhos.
Nos últimos seis anos, segundo Trevisan, a União investiu US$ 25,8 bilhões nas estatais. Os dividendos das empresas, em contrapartida, foram pífios: menos de US$ 1,1 bilhão no período.
Isto equivale a dizer que as estatais demoram, em média, 140 anos para devolver ao governo cada US$ 1,00 investido em suas operações.
Além disso, as companhias precisariam receber anualmente US$ 20 bilhões em investimentos para continuar operando. Em média, têm investido apenas US$ 5 a 7 bilhões/ano em recursos próprios.
Ex-secretário adjunto de Economia do Ministério da Fazenda e atual presidente da Cecrisa (terceira maior produtora mundial de cerâmica), o executivo Antonio Maciel Neto diagnostica os obstáculos à reengenharia do Estado:
Falta de visão estratégica de longo prazo: inexiste pessoal especializado no governo capaz de monitorar as transformações ocorridas no ambiente mundial.
Sem visão estratégica, diz, é impossível planejar. "É o contrário do que ocorre com economias que deram certo. Por exemplo: há 15 anos Taiwan já sabia que rumo tomaria seu modelo econômico".
Métodos anacrônicos: os orçamentos se tornaram "peças de ficção", fato agravado em consequência do processo inflacionário, por falta de instrumentos modernos largamente utilizados pelas empresas privadas.
"No governo, a receita nada tem a ver com a despesa", diz Maciel Neto. "O Congresso faz emendas e a lei permite a liberação de dinheiro na boca do caixa".
Incapacidade para gerar metas: inexistem lideranças capazes de sustentar a implementação de programas de qualidade.
"Como o dirigente da estatal é nomeado por um grupo político ou um figurão, o negócio dele passa a ser atender aos interesses de quem o sustenta na posição", conta.
Por tudo isso, Maciel Neto considera despropositada -"um mito", acrescenta ele— a intenção várias vezes proclamada pelo governo de "domar as estatais". "Na verdade, essas empresas estão em sintonia com Brasília", afirma.
Durante a gestão de Alexis Stepanenko no Planejamento o governo chegou a anunciar contratos de gestão para as estatais —um sistema de controle com metas. O plano jamais decolou.
(FCz e NB)

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