São Paulo, domingo, 12 de março de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Casamento restringe direitos de cônjuges sobre seus corpos

EUNICE NUNES
ESPECIAL PARA A FOLHA

O casamento impõe obrigações e direitos que reduzem o domínio dos cônjuges sobre seus próprios corpos. Uma cirurgia esterilizadora (laqueadura para mulheres; vasectomia para homens) sem o consentimento do parceiro pode servir de justificativa para um pedido de divórcio.
Juridicamente, nada impede que o marido ou a mulher façam as cirurgias sem autorização do outro. "Mas o cônjuge que se sentir prejudicado pode atribuir ao outro conduta desonrosa e alegar que sua decisão torna insuportável a vida em comum", explica o juiz Antônio Carlos Malheiros, do 1º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo.
O mesmo acontece quando um cônjuge se nega a ter relações sexuais. Para Ailton Trevisan, advogado especialista em direito de família, "isso é descumprir o dever conjugal e justifica o divórcio".
E se o marido forçar a relação sexual, desde que a mulher tenha motivo justo para se negar, caracteriza-se o estupro marital. Como motivos justos para a recusa são admitidos problemas de saúde.
"Na jurisprudência há um caso em que a mulher acabara de ser operada e, ao voltar do hospital para casa, o marido forçou-a a ter relações sexuais. Ela o processou por estupro e ele foi condenado", conta Luiz Flávio Gomes, juiz da 26ª Vara Criminal de São Paulo.
A esterilidade pode até motivar pedido de anulação do casamento. "Se o estéril sabia de sua esterilidade antes do casamento e a ocultou, configura-se o erro essencial. Neste caso o casamento é anulável se o registro não tiver mais de dois anos", afirma Malheiros.
O Código Civil considera erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge "a ignorância, anterior ao casamento, de defeito físico irremediável ou de moléstia grave e transmissível, por contágio ou herança, capaz de pôr em risco a saúde do cônjuge ou dos filhos".
Trevisan sustenta que a jurisprudência dominante não tem anulado casamentos com base na esterilidade de um dos cônjuges. "Só a impotência no homem tem ensejado a anulação do casamento".
Roberto Tullii, cirurgião vascular, diz que já salvou vários casamentos ao resolver problemas de impotência e ejaculação precoce. Ele assume que faz vasectomia, mas o cliente tem de assinar um termo de responsabilidade, deixando claro que quer fazer a cirurgia.
"No caso de homens casados, eu chamo a mulher para conversar a respeito, e o termo de responsabilidade deve expressar o consentimento dos dois", diz o cirurgião.
O termo de responsabilidade é necessário porque as normas a respeito da laqueadura e da vasectomia são nebulosas. O Código de Ética Médica diz apenas que é vedado descumprir legislação específica que trate de esterilização.
"Essa legislação específica, no entanto, não existe. Não há resolução do Conselho Federal de Medicina nem lei sobre o assunto", afirma o médico Pedro Paulo Roque Monteleone, do Conselho Regional de Medicina de São Paulo.
Os convênios médicos não cobrem essas cirurgias. Elas também não estão codificadas no Sistema Único de Saúde (SUS). No entanto, são práticas muito usadas.
Tereza Inserra fez laqueadura de comum acordo com seu marido Newton após o nascimento de seu terceiro filho. "Não queríamos mais filhos. Discutimos apenas se ele faria vasectomia ou eu laqueadura", conta. O médico não pediu o consentimento do marido.

Texto Anterior: Homens felizes, Mulheres neuróticas
Próximo Texto: Lei regula doação e transplante
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.