São Paulo, domingo, 12 de março de 1995 |
Texto Anterior |
Próximo Texto |
Índice
Ensaios recriam confronto entre Marx e Weber
RICARDO MUSSE
Assim, a dificuldade em precisar a metodologia ou a compreensão marxiana do capitalismo —decorrente, em larga medida, dos interesses práticos que essa obra suscita— se vê ampliada pelo fato de que o pensamento de Marx nunca é o que se visa diretamente, mas apenas um meio para matizar e situar historicamente a obra de Weber. Essa debilidade da interpretação de Marx não traz consequências apenas para uma melhor apreensão das teorias marxianas, ela afeta diretamente a compreensão da própria obra de Weber, e não só no que tange às suas teorias acerca do capitalismo ou do socialismo. Primeiro, a delimitação das relações entre o pensamento de Weber e o de Marx se vê obnubilada por uma questão aparentemente decisiva, mas estéril: as escassas referências encontráveis na obra de Weber remetem a Marx, à história do marxismo ou aos marxistas alemães contemporâneos de Weber? Suscitada por uma frase infeliz do artigo clássico de Lõwith, essa falsa questão obriga Zander, por exemplo, a esclarecer uma a uma as citações de Weber, determinando se o que ele visa aí é Marx ou o marxismo de sua época. Tal investigação —uma das linhas mestras do debate alemão acerca de Weber e Marx— é duplamente estéril porque fica claro, tanto a um leitor menos pedante de Lõwith, quanto nos textos restantes, que a obra de Max Weber não teria sido escrita ou seria incompreensível sem, pelo menos, "O Capital", de Marx. O principal, porém, é que, se há múltiplos e divergentes perfis de Weber (tantos quanto são os autores selecionados), isso não se deve só a conflitos inerentes à interpretação da obra de Weber, mas, tendo em vista o papel decisivo atribuído por todos ao confronto com Marx, à presença de diferentes visões de Marx e do marxismo. É possível reconstituir, assim, além de visíveis e explícitas polêmicas —Giddens corrigindo Birnbaum, Zander e Kocka discordando de Lõwith no terreno da metodologia e da filologia—, o Marx de cada um. Giddens, por exemplo, reconstitui Marx à imagem e semelhança do marxismo ocidental (também batizado por Merleau-Ponty de marxismo weberiano). Confrontado com esse Marx, não espanta que seu Weber esteja tão próximo da tradição marxista. Birnbaum, por sua vez, atribui a Marx o determinismo e o dogmatismo de certo marxismo e vê, por conseguinte, Weber como uma barricada liberal contra o avanço marxista do pós-guerra. Zander não conseguiu construir uma imagem de Marx e, logo, tampouco de Weber. O autor que mais salienta a distância e as diferenças entre Weber e Marx —Wolfgang Mommsen—, não por acaso, concebe Marx como o pai do socialismo real. Até Gertz, o organizador da coletânea, mesmo sem ter escrito nenhum texto, não deixa de explicitar uma imagem de Marx ao selecionar, na parte referente à recepção de Weber pelo marxismo, um texto de Weiss que —pasme!— recenseia a crítica do marxismo do Leste Europeu a Weber. Se ele não confundiu o legado de Marx com o stalinismo, como justificar tamanho equívoco e anacronismo? Deixo de propósito para o final o texto de Karl Lõwith. Nele, graças a um equilíbrio entre os pesos atribuídos a Weber e a Marx (visível mesmo na tradução de uma versão condensada que destaca apenas as partes dedicadas a Weber), as semelhanças e as diferenças entre estes pensadores dá bem a medida da importância do confronto: afinal, o que está em jogo é, nada mais, nada menos, que o caráter "capitalista" da sociedade moderna, ou, se quiserem, o futuro da humanidade. Texto Anterior: Elogio humanista da velhice Próximo Texto: REVISTAS; MEMÓRIA; GUERRA; TRABALHO; SAÚDE; FICÇÃO Índice |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |