São Paulo, domingo, 12 de março de 1995
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O tiroteio financeiro

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

Há uns anos atrás ganhei um livro catastrófico prevendo uma bancarrota mundial para este ano ("Bankarruptcy 1995").
Na ocasião, início dos anos 90, não dei muita bola para a referida obra. Mas lembrei-me muito dela na semana que passou ao ver a derrocada simultânea de praticamente todas as moedas fortes do mundo: dólar, lira, libra, franco francês, peseta, escudo e peso mexicano. Até o real perdeu uns pontinhos ao entrar no regime da banda.
As mensagens vindas do exterior foram preocupantes —para dizer o menos. O "Wall Street Journal" abriu a primeira página da última quarta-feira dizendo: "A situação é séria e se agrava rapidamente". Os vendedores de moeda em Nova York estavam angustiados não só com um dólar enfraquecido, mas sobretudo com uma moeda em queda livre.
Os únicos que mantiveram a calma —pois seria absurdo se entrassem em pânico— foram Clinton e Greenspan. Mesmo assim, agiram. O primeiro prometeu —mais uma vez— cortar o déficit público "em definitivo", e Greenspan procurou atrair os investidores de volta ao dólar, elevando ligeiramente a taxas de juros.
O mercado mundial de moedas negocia US$ 1 trilhão por dia (!) e, na última semana, apesar de toda a esgrima das autoridades monetárias, houve mais vendedores do que compradores. O pobre dólar atingiu o seu recorde de baixa: pouco mais de 88 ienes e de 1,3 marco. Atualmente, não há quem faça um japonês ou um alemão a fazer sua poupança em moeda americana.
O que causou esse rebuliço? Certamente não foi o "Bankarruptcy 1995". Os economistas costumam indicar como responsável o persistente déficit americano nas contas públicas e na balança comercial. Alguns têm acrescentado, mais recentemente, o impacto da crise mexicana e o desapontamento com os republicanos que, no seu programa de campanha, prometeram agir rápido para acabar com o buraco do orçamento —e até agora, nada.
Tudo isso é muito elegante, mas —sem ser economista— penso que a causa principal é mais profunda. O mundo está inundado por moeda sem lastro; por ordens eletrônicas que se valem maliciosamente das diferenças de fusos horários; das pseudomoedas (derivativos, debêntures etc.) que pouca correspondência têm com a produção concreta.
Fala-se muito também na explosão do setor de serviços. Mas, pergunto, de onde vem o dinheiro daquele setor? Não seria da agricultura e da indústria? Como poderão as pessoas gastar continuamente em turismo, lazer e aeróbica se elas não produzem coisas de valor intrínseco?
Em outras palavras, o tiroteio financeiro da última semana —que pode muito bem ser apenas a ponta de um monumental iceberg— só vai desaparecer quando os povos ricos se convencerem de que para consumir bastante —como todos gostam— eles têm necessariamente de produzir muito —como a maioria não gosta. Ademais, eles têm de devotar ao Terceiro Mundo mais simpatia e menos juros.

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