São Paulo, domingo, 12 de março de 1995
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Pulso firme com o real

PEDRO MALAN

Pulso firme com o real
O governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, desde 1º de janeiro, vem promovendo uma série de ajustes ao Plano Real, buscando adaptá-lo às circunstâncias externas de redução do fluxo financeiro e à necessidade de equilibrar no curto prazo o nível da demanda com a oferta interna de produtos.
No setor externo, ainda em janeiro, foram tomadas providências para estimular os contratos de fechamento de câmbio das exportações. Primeiro, logo no início de janeiro, o Banco Central revogou a taxa de recolhimento compulsório de 15% que encarecia os adiamentos de contratos de câmbio (mais conhecidos pela sigla ACC).
Em seguida, os prazos dos ACC foram alongados, permitindo-se que os exportadores ampliassem o horizonte de utilização do capital de giro na fase de produção. Também foi aumentado o prazo das operações de câmbio envolvendo o pagamento antecipado.
A resposta dos exportadores a estas medidas foi imediata. Ainda em janeiro, o país registrou saldo positivo de US$ 484 milhões nas operações de câmbio relacionadas ao comércio exterior. Em fevereiro, o superávit das operações cambiais envolvendo exportações e importações foi de US$ 1,256 bilhão.
Diante da perspectiva de que a importação de automóveis este ano crescesse três vezes mais do que em 1994, ajudando a pressionar as contas externas, o governo decidiu ampliar de 20% para 32% a alíquota de importação deste tipo de bem este ano, com o nível baixando gradativamente, a cada ano, até 2001, quando voltará a ser 20%.
A ação do governo, com estas providências, já indicava a preocupação com o chamado "nível de absorção doméstica" que representa o crescimento do consumo dentro do país. Tornou-se necessário, portanto, reduzir a pressão sobre as importações liberando, ao mesmo tempo, espaço para o aumento das exportações e para os gastos com investimentos do setor produtivo.
Nessa linha, de estímulo à produção, o Conselho Monetário Nacional (CMN), em sua reunião de 22 de fevereiro, decidiu adotar medidas anticonsumo, voltadas principalmente para a restrição à compra de automóveis e, ainda, a um controle mais rígido sobre as operações financeiras de empresas de factoring que vinham atuando como fortes recicladoras de dinheiro destinado ao crédito ao consumo. O objetivo foi dar fôlego para que as indústrias privadas ampliem sua capacidade de produzir de modo a que o consumo interno seja atendido sem riscos de desabastecimento ou de pressão por aumento de preços.
Até então, todo o peso do ajuste havia recaído exclusivamente sobre o setor privado. O setor público também precisava contribuir a continuidade do bom desempenho do Plano Real. Esta percepção foi reforçada pelo déficit de caixa apresentado pelo Tesouro Nacional em fevereiro, da ordem de R$ 1,7 bilhão, consequência do reajuste de 22,07% (relativo à aplicação do IPC-r) dos salários do funcionalismo público, além dos efeitos de decisões tomadas no ano passado e que implicaram em maior gasto com a folha de pessoal. Só a aplicação do IPC-r deve resultar em despesa adicional para o Tesouro de cerca de R$ 6 bilhões em 1995.
O governo viu-se diante de um quadro fiscal que estava a merecer atenção e decidiu agir rapidamente com a adoção de medidas duras, sabendo que o ajuste fiscal definitivo só virá com os trabalhos de reforma da Constituição. Assim, decidiu-se rever todos os contratos firmados pela administração pública federal e que ainda estejam em curso. No âmbito das estatais, foi fixado limite para as despesas com custeio na medida em que terão de ser reduzidas em 10% sobre o valor de 1994.
Os bancos oficiais federais terão de reduzir seus gastos com custeio em 15%, além de terem sido obrigados a recuperar até o final de 1995 pelo menos 30% dos créditos inscritos como duvidosos em seus balanços de 31 de dezembro de 1994. As medidas de ordem fiscal que estamos adotando são complementares àquelas já introduzidas anteriormente a nível do setor privado com o sentido de aliviar a pressão da demanda interna. Procura-se reduzir a necessidade de financiamento do setor público junto ao mercado de modo a que sobre mais dinheiro para as empresas privadas ampliarem suas plantas de produção, gerando mais empregos.
As decisões tomadas na última reunião da Comissão Nacional de Desestatização, em 6 de março, são um demonstrativo de que o governo quer diminuir sua participação na atividade produtiva, deixando que o setor privado cumpra seu papel com maior eficiência. Anunciou-se a decisão do presidente da República de permitir o ingresso de capital estrangeiro no processo de privatização dos bancos oficiais listados no programa de desestatização.
Também foi determinado o prazo de 60 dias para que o BNDES e o Ministério das Minas e Energia definam os termos de referência para a contratação do estudo de modelagem da venda da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD).
A opção do governo por um regime de banda cambial, com limites mínimo e máximo de taxa de câmbio, que agora se tornou explícita, foi tomada desde os primeiros momentos do lançamento do Plano, ainda em meados do ano passado. Naquela ocasião, verificou-se que o mais recomendável seria trabalhar com uma banda "informal" até que o próprio mercado se acostumasse a operar nesta nova modalidade de política cambial. A consolidação do sistema de banda surgiu, portanto, como uma consequência natural e o que se espera agora é a reafirmação de confiança do sistema financeiro internacional na estabilidade das regras que orientam as relações do Brasil com o exterior.
As medidas aqui listadas buscam aperfeiçoar o Plano Real e garantir níveis baixos de inflação de forma duradoura. Isto requer um grande esforço de todos e muita determinação do governo. Infelizmente, nem todos se deram conta dos benefícios que a estabilidade traz para a sociedade em geral. Estas poucas pessoas, que preferem continuar ganhando às custas do empobrecimento da população, tentaram colocar o Plano em xeque ao especularem fortemente contra o Real nos últimos dias mas depararam-se com a atuação firme do governo, em especial do Banco Central, na defesa da moeda nacional.
Quero reafirmar que o governo sempre reagirá a favor da estabilidade, contra as ações irresponsáveis de caráter especulativo que acabam comprometendo o futuro do Brasil. Nossa prioridade continuará sendo o combate sistemático à inflação, que, sem dúvida, é o pior dos impostos que pode recair sobre os mais pobres deste país.

PEDRO SAMPAIO MALAN, 52, doutor em economia pela Universidade da Califórnia (EUA), é ministro da Fazenda. Foi presidente do Banco Central do Brasil (1993-94) e professor de Economia da PUC-RJ (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro) de 1978 a 83.

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