São Paulo, domingo, 12 de março de 1995
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A volta de Travolta

ANA MARIA BAHIANA

(continuação)
Fast forward: outono em Nova York. As árvores começando a mudar de cor. O ronco surdo da rua 57 lá longe, lá embaixo. A tarde de maio na Croisette colocada em sua devida perspectiva. "Não sei se concordo com a expressão 'voltar'. Não sei se 'Pulp Fiction' é minha 'volta'. É, até certo ponto mas... Acho que é mais uma reinvenção: da minha carreira, de mim como ator. Eis como eu tenho me sentido desde maio: estou num grande filme. Um filme de prestígio. O filme ganhou um prêmio no Festival de Cannes. Estou cercado por um elenco como nunca tive em outro filme. Meu personagem é incrível. É uma situação única. Nesse sentido, eu voltei: mas reinventado."
Você é um homem muito inteligente, muito bonito dentro do estilo cafajeste —ítalo-americano- de- Nova-Jersey—na -meia-idade- depois-de -um-banho-de-loja, e seu filme vai fazer uma carreira de crítica e bilheteria capaz de deixar aquela tarde de Cannes no chinelo. Quatro meses em cartaz nos Estados Unidos, quase US$ 100 milhões na boca do caixa; estouro da banca na Inglaterra, onde seu nome (e os de Quentin e Harvey Keitel) provocam ataques de histeria nos fãs; indicações (como melhor ator, inclusive) para o Golden Globe e para o Oscar; azarão na corrida do Oscar, brigando pescoço a pescoço com Tom Hanks e Paul Newman. Cachês de US$ 4, US$ 5 e afinal US$ 7 milhões para seus projetos seguintes: o drama "White Man's Burden", ao lado de Harry Belafonte; o noir "Get Shorty", com Danny De Vito e Gene Hackman; o thriller de ação "Broken Arrow", com John Woo na direção e Christian Slater de coadjuvante; e a comédia romântica "The Lady Takes an Ace", ao lado de nada menos que a loura fatal Sharon Stone.
Chame de reinvenção se quiser, Travolta, mas é uma volta por cima.
O quase impossível terceiro ato nesta vida americana começou com um desses almoços vagamente anódinos em que Hollywood é pródiga. Nas palavras de Travolta: "Meu agente me ligou, disse que havia um jovem diretor, Quentin Tarantino, que vivia dizendo que gostava de mim, que queria trabalhar comigo, e que meu agente queria convidar para um almoço. Eu já havia ouvido falar em Tarantino, sabia que ele era quente. Mas fiquei meio assim. O que é que eu ia conversar com ele? O que ele poderia me oferecer?"
É preciso lembrar de que lugar Travolta estava vindo quando seu agente lhe sugeriu o fatídico almoço. Seu último filme de sucesso, o incrivelmente ruim, mas mesmo assim rentável "Look Who's Talking", fora há cinco anos; seu último trabalho com algum nível de seriedade e prestígio —uma atuação na peça "The Dumb Waiter", de Harold Pinter, sob a direção de Robert Altman— fora há sete; e seu momento de glória absoluta, aquele que deveria render décadas de trabalho fácil e abundante —os musicais "Os Embalos de Sábado à Noite" e "Nos Tempos da Brilhantina"— fora há 17 anos.
A estrada que o levara a este limbo estava, proverbialmente, crivada não de boas intenções, mas de ironias, escolhas insensatas e equívocos: escalado para o papel principal de "Days of Heaven", em 78, não conseguiu se livrar de uma série de TV para a qual já estava contratado —o papel foi para Richard Gere. Para Gere também foram dois outros papéis que Travolta dispensou, em "American Gigolo", em 80, e, novamente, em "An Officer and a Gentleman", em 82. Em 87, o papel recusado —na comédia romântica "Blind Date", com Kim Basinger— foi para Bruce Willis, virtualmente deslanchando sua carreira no cinema. Em 92, Robert Altman —seu amigo desde "The Dumb Waiter"— chegou a anunciar que queria dar a Travolta o papel principal de "O Jogador" —mas acabou desistindo na última hora, disse, porque "Travolta trazia bagagem demais" para o papel (Tim Robbins, como se sabe, tornou-se um astro com o filme).
"Quando se está na batalha não se tem tempo para imaginar se sua carreira está empacada ou não", Travolta diz agora, na manhã de outono nova-iorquina. "Na minha cabeça eu estava trabalhando, estava ganhando dinheiro. Sou muito batalhador. Mas a mídia e a indústria só registram os sucessos." Há uma longa pausa, um gole de café, e Travolta acrescenta: "Até dois anos atrás eu não tinha dúvidas a respeito do meu futuro. Imagine só. Foram precisos 19 anos para que eu chegasse a questionar se tinha ou não um futuro."
(continua)

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