São Paulo, domingo, 12 de março de 1995
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A volta de Travolta

ANA MARIA BAHIANA

(continuação)
Foi este homem ansioso, que pela primeira vez havia confrontado a possibilidade de não ter futuro na indústria que adotara desde que deixara o ginásio, aos 16 —para tomar aulas de dança e arte dramática com o irmão de Gene Kelly—, que se sentou à mesa do restaurante metido a chique, em L.A., para conhecer o tal Quentin Tarantino que dizia gostar tanto dele.
Nenhum dos dois homens recorda o almoço como particularmente significativo. Travolta achou Quentin "muito simpático" e ficou surpreendido ao saber que ele era fã não apenas de um filme seu —"Blowout", dirigido por Brian de Palma— mas especialmente da série de TV "Welcome Back Kotter", a tal que o impediu de fazer "Days of Heaven". "Ele tinha até o joguinho de tabuleiro de Kotter!". Travolta se surpreendeu.
Tarantino ficou "feliz" em conhecer um "ícone da minha adolescência". Achou Travolta "superarticulado" mas, depois da sobremesa e do café, ainda não tinha descoberto uma utilidade prática para o repasto. "Só dias depois, semanas depois, é que comecei a pensar em John como Vincent", Quentin admite. "Mas a minha cabeça funciona assim, meus personagens são, em princípio, puro diálogo e personalidade. Só muito depois é que tomam forma física".
Tarantino ficou tão empolgado com a descoberta que não apenas contratou Travolta para o projeto, como escreveu uma cena inteira só para ele: a maravilhosa sequência em que Vincent, escalado pelo poderoso gângster Marsellus (Ving Rhames) para guardar as tentadoras costas da mulher dele, Mia (Uma Thurman), acaba indo parar numa lanchonete/discoteca e é forçado pela beldade a participar de um concurso de twist.
Travolta, que temia ser compelido "a passar um vexame num filme só porque queriam forçar uma cena de dança", adorou. "Veja a situação do meu personagem! Todo mundo que se aproximou dessa mulher linda e exótica acabou morto! E ela quer dançar comigo! E eu estou doidão, ainda por cima!"
Este é o Vincent de Travolta, papel que reinventou sua carreira e o colocou nas listas do Oscar: pistoleiro sem escrúpulo, junkie contumaz, caubói espaguete do submundo mas, ao mesmo tempo, cavalheiro, dançarino e filósofo amador da cultura pop. "Só Travolta poderia fazer essa mágica", disse Tarantino, aceitando seu Golden Globe de melhor roteiro. "Criar um personagem tão sanguinolento e tão adorável".
O futuro é tão brilhante que você tem que usar óculos escuros. Você tem uma mulher bonita —a atriz Kelly Preston, com a qual você se casou não uma, mas duas vezes, no religioso, de acordo com os ditames da Igreja da Cientologia, a obscura religião que você pratica, e no civil—, um filho saudável —Jett, de 3 anos—, um avião particular que você mesmo, brevetado de longa data, pilota. Você tem uma casa em Los Angeles, um apartamento em Nova York e um "pied" à terra à beira-mar na Flórida. Seu próximo filme, "White Man's Burden", promete ser, no mínimo, controvertido —você faz o papel de um operário branco demitido por um alto executivo negro, num mundo futurista em que os brancos é que são a minoria oprimida. Seu agente está com calo nos dedos de ler roteiros, propostas, convites. Nada mau para uma reinvenção.

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