São Paulo, domingo, 12 de março de 1995
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Diretor não recicla: cria

MARIA ERCILIA

Dois clichês críticos sobre Tarantino: nº 1: está com a "síndrome do segundo filme"(esse é bom, mas 'Cães de Aluguel' era melhor"). Nº 2: é um perigoso cultor da ultraviolência.
Nº 1: bobagem. "Tempo de Violência" é genial. A cena em que Uma Thurman dança twist com Travolta é de uma ironia e de um lirismo absurdos. Quem viu "Embalos de Sábado à Noite" na hora certa entende tudo.
Tarantino é um inventor, não um reciclador de lixo (a coisa mais próxima de "Pulp Fiction" hoje —mal comparando— é o clip "Sabotage" dos Beastie Boys). O que ele faz com a narrativa é mágico. A história vai, volta, gente ressuscita, e tudo flui com naturalidade. Talvez porque o mundo de Tarantino seja autônomo, dependa muito mais do próprio cinema que da "vida real" para existir. Como tal, tem suas próprias leis, e a platéia sente estranhamento zero diante dos saltos da narrativa. A liberdade que ele tem com o roteiro não é menor que a de Godard, mas o efeito é oposto: em vez de distanciar, mergulha o espectador numa dimensão de vale-tudo que prescinde das regras aristotélicas, em vez de desafiá-las.
Nº 2. Bobagem. A violência de Tarantino não tem nada a ver com a de Oliver Stone, por exemplo. É puro exercício formal. Ele organiza carnificinas como orquestra seus diálogos malucos. A violência é só um alfabeto que aprendeu a soletrar pequeno, nos seriados dos 70.
Tarantino trata com amor seus astros. Christopher Walken faz uma paródia de "Franco-Atirador". O papel de Bruce Willis não deixa esquecer um minuto que ele é Willis. Mas Travolta é o rei de "Tempo de Violência". Barriguinha, lábios rosados, ar imbecilizado, seu Vince Vega tem sabor de vingança e redenção. E Tarantino diz que o melhor de Cannes foi o avião de Travolta. Garotos...

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