São Paulo, segunda-feira, 13 de março de 1995
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Mercado futuro evita fuga maior de dólar do Brasil

RODNEY VERGILI
DA REDAÇÃO

O pânico que tomou conta do mercado financeiro na semana passada produziu uma aceleração nas saídas de dólares do país.
As diferentes interpretações do comunicado do Banco Central de mudanças de intervalo de flutuação do dólar levaram já na segunda-feira passada a um recorde de negócios com a moeda norte-americana no mercado futuro da BM&F: R$ 5,67 bilhões.
O presidente do Conselho de Administração da Bolsa de Mercadorias & Futuros, Manoel Francisco Pires da Costa, diz que a possibilidade de negociar no mercado futuro de dólar evitou uma fuga maior de capitais do país, como ocorreu no México e na Argentina.
Fundada em 1986, a BM&F (Bolsa de Mercadorias & Futuros) bateu seu recorde histórico total de negócios na semana passada ao girar R$ 18,27 bilhões no último dia 8. A instituição é a quarta maior Bolsa de futuros do mundo.
O crescimento da BM&F é explicado pelo seu presidente pelas incertezas que existem no país e a necessidade dos investidores de buscarem proteção no mercado futuro.
Pires da Costa diz que o processo de suspensão de 29 operadores prossegue sem a interferência de órgãos do governo. Ele entende que os ganhos pessoais superiores a US$ 500 mil mensais dos operadores não vieram de poupança popular ou de fundos de commodities.
Ele descarta também a possibilidade de quebra de instituições financeiras no mercado futuro brasileiro como ocorreu no Carnaval com o mais antigo banco britânico: o Barings.
A seguir, trechos da entrevista com Pires da Costa:

Folha - O senhor acredita que o Plano Real correu sério risco na semana passada com a corrida dos investidores para o dólar?
Pires da Costa - Em hipótese nenhuma, quem correu riscos foram as instituições financeiras. Se o processo tem um caráter especulativo, as medidas tomadas (na última sexta-feira) devem esfriar esse movimento em função da alta dos juros e da redução no volume de dólares que os bancos podem trabalhar tanto no comercial como no flutuante.
Folha - As medidas devem trazer tranquilidade para o mercado financeiro?
Pires da Costa - Vão trazer a certeza de que o Banco Central e a equipe econômica sempre tiveram instrumentos à mão para controlar os processos especulativos. A especulação até que é saudável, mas o que estava ocorrendo era mesmo um processo emocional. Esse processo emocional crescente poderia eventualmente até mesmo criar uma dúvida em relação à competência da administração do fato. É bom lembrar que o Banco Central tem elevadas reservas cambiais. Quando alguns imaginaram que pudesse haver perda de controle, a autoridade cambial demonstrou firmeza nas ações.
Folha - O mercado futuro de dólar bateu recorde de volume na semana. Os negócios no mercado futuro não contribuíram para aumentar a especulação com o dólar?
Pires da Costa - Não. Se não houvesse o mercado futuro de dólar e a possibilidade dos investidores buscarem proteção para seu patrimônio, esse dinheiro simplesmente teria saído do país. Foi exatamente o que aconteceu no México e na Argentina. O mercado futuro evitou uma fuga maior de dólares do país.
Folha - Houve, porém, uma saída expressiva de dólares para o exterior na semana passada.
Pires da Costa - O dinheiro "esperto" fica rodando pelo mundo em busca de oportunidades. Esse dinheiro entrou aqui baseado no processo de privatização que deveria haver. Está saindo, uma vez que o processo vai demorar.
Folha - O que fazer para evitar a concentração nos papéis de estatais nas Bolsas?
Pires da Costa - Para diminuir a concentração em poucos papéis, é necessário criar um volume maior de negócios em ações de empresas privadas através de operadores que se especializariam em negócios diários com determinados papéis. O que se precisa também é mudar a lei das S/A promovendo maior número de ações ordinárias e uma maior preocupação das empresas com a distribuição de dividendos. O país se diferencia, no entanto, dos outros mercados emergentes, entre outras coisas, pela existência de sistema sofisticado de proteção, como o de futuros.
Folha - O mercado futuro tem como objetivo proteger os investidores de incertezas de variações de preços. Como se explica então a quebra do mais antigo banco britânico, o Barings, no mercado futuro?
Pires da Costa - O Barings não estourou por causa de operações de compra e venda "casadas" e sim porque participou em um processo especulativo forte numa tentativa de ampliar os seus ganhos. As expectativas da instituição não se concretizaram e o banco quebrou.
Folha - Qual a possibilidade de que ocorra um caso semelhante ao do Barings no Brasil?
Pires da Costa - Vale lembrar que a maioria das especulações do Barings ocorria por computador em operações no mercado de balcão (fora das Bolsas). O mercado de balcão é mais liberado. Nas Bolsas, o movimento dos especuladores é observado no dia-a-dia e com a necessidade de se fazer ajustes diários, não permitindo que os problemas se acumulem.
Nos mercados asiáticos, as Bolsas têm também um caráter diferente. A liquidação das operações é feita em uma empresa independente. No Brasil, a auto-regulação e a liquidação das operações é feita pela BM&F.
Folha - O caso Barings não chamuscou a imagem dos mercados futuros?
Pires da Costa - Os negócios do Barings foram feitos basicamente por computador e fora das Bolsas. O importante é que houve uma solução em 48 horas. É a solução de mercado, diferente de outras que se pretende dar envolvendo bilhões de dólares de crédito dados a empresas públicas.
Folha - O senhor fala em bancos estaduais brasileiros?
Pires da Costa - Exatamente. O que temos que ver com clareza é que o comportamento do setor privado no mercado é auto-regulado. Se há desvios na administração, não há como facilitar, há a necessidade de se pagar pelos erros.
Folha - Logo após o Carnaval, a BM&F suspendeu 28 operadores sob suspeita de obterem ganhos pessoais com o uso de informações privilegiadas. O caso Barings chamou a atenção para a necessidade de um controle maior?
Pires da Costa - Já são 29 operadores suspensos. Mais um operador foi suspenso na última quarta-feira. A suspensão não tem nada a ver com o caso Barings. Chamou atenção da imprensa por causa do número de operadores envolvidos. Em janeiro, foram suspensos cinco operadores e ninguém soube. Isso é uma medida administrativa que faz parte do cotidiano da Bolsa. Eu não sei se havia informação privilegiada ou ganhos pessoais, o processo ainda está em fase de apuração.
Folha - Eles ganhavam mais de US$ 500 mil por mês com as operações suspeitas?
Pires da Costa - Olha, pode ser muita coisa, mas provar ninguém prova. O que nós vamos apurar é se houve irregularidade. Se houve, os participantes vão ser punidos.
Folha - A suspeita é de que eles realizavam operações pessoais, baseando-se em operações que fariam em seguida para grandes investidores, como fundos de commodities. Isso não seria um atentado à economia popular e não caberiam ações criminais?
Pires da Costa - Bom, se isso fosse comprovado, se fosse verdade, há as ações criminais normais. Mas não houve prejuízo para os fundos de commodities de maneira alguma.
Folha - Na semana passada, houve rumores de que instituições mais ativas no mercado de câmbio teriam tido informações privilegiadas sobre as mudanças cambiais. Isso está sendo apurado?
Pires da Costa - Não, nada. A BM&F tem condições, se solicitada, de apresentar as operações realizadas por instituições sob suspeita, num determinado espaço de tempo, com horário e o volume negociado.
Folha - O que se falou muito também na semana é que o mercado futuro de juros (DI) estava apontando para alta no custo do dinheiro e que isso estava provocando elevação nas taxas dos CDBs. O BC acabou sancionando a alta de juros na sexta-feira. Os mercados futuros puxam as cotações nos negócios do dia-a-dia?
Pires da Costa - Ao contrário, o mercado futuro cria a possibilidade de proteção para evitar que o investidor fique sujeito às oscilações de taxas e cotações.

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