São Paulo, segunda-feira, 13 de março de 1995
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A banda e o plano

ANTONIO NETO

Em 1966, Chico Buarque estava à toa na vida e foi chamado por seu amor para ver a banda passar. Hoje, quase 30 anos depois, a chegada de uma nova banda pode ter um efeito inverso e deixar um número imenso de brasileiros à toa na vida.
O anúncio do governo da tal "banda de flutuação" da cotação do dólar ou, em português claro, a desvalorização do real —tem provocado uma corrida à moeda norte-americana por parte de investidores, especuladores e até mesmo pequenos poupadores, evidenciando que a estabilidade obtida com o Plano Real assenta-se em bases frágeis e que seu objetivo primordial era o de garantir a eleição do atual presidente da República.
Dentro da lógica do plano, o governo não tinha alternativa. Manter o câmbio artificialmente congelado, com o real sobrevalorizado, iria levar o país a conhecer em breve o pior dos cenários, redundando na queima acelerada das reservas cambiais, na invasão do país por produtos importados mais baratos que os nacionais e na consequente quebradeira da indústria nativa. Em outras palavras, um cenário que já é realidade no México e que aos poucos se torna palpável na Argentina.
No entanto, a situação que o governo vive na área econômica mostra-se bastante incômoda. Travando uma renhida queda de braço com os especuladores, o Banco Central está igualmente queimando aceleradamente reservas cambiais para romper com a desconfiança do mercado de que a desvalorização cambial se dará dentro dos limites prefixados pelas autoridades. Só nos três primeiros dias da desvalorização, o governo já teria feito uso de cerca de US$ 6 bilhões para segurar as cotações.
As reservas, que somavam em novembro, segundo o próprio governo, US$ 42 bilhões, caíram em fins de janeiro para US$ 38 bilhões e atingem agora cerca de US$ 30 bilhões. Este montante ainda dá à administração federal uma margem de manobra razoável, mas evidencia uma evaporação acelerada das garantias de manutenção da âncora cambial e de toda a engenharia do plano econômico. É bom lembrar que o México queimou em poucos meses reservas semelhantes, não conseguindo evitar a débâcle de toda sua economia.
Apesar dos desmentidos oficiais, somente na última quarta-feira assistimos à saída do país de um montante de US$ 504,53 milhões, alimentando uma soma que alcança desde janeiro Us$ 4,173 bilhões. O movimento que o capital financeiro tem feito na América Latina desde o início da crise mexicana tem sido o de migrar para lugares mais seguros.
Tentando evitar isso, a equipe econômica tem lançado mão do expediente mais ortodoxo em termos de doutrina econômica, que é o de elevar os juros às nuvens como maneira de tornar o país atraente para os capitais em fuga. Esta orientação traz as nefastas consequências que todos conhecemos.
Como complemento a essa sinuca em que se meteu, o presidente Fernando Henrique Cardoso e seus auxiliares desejam acelerar o programa de privatizações como maneira de obter divisas para fechar suas contas. Não é à toa que está sendo anunciado para breve a privatização da Vale do Rio Doce, uma das estatais mais rentáveis, além de uma série de alterações na Previdência que tem descontentado a própria base governista no Congresso.
Em meio a este torvelinho de problemas, existe ainda a denúncia do deputado Delfim Netto de que teria havido vazamento de informações pouco antes da desvalorização do real, favorecendo banqueiros e especuladores.
Apesar deste quadro, nós achamos ser necessário alterar a lógica do debate. Não é porque, dentro de suas premissas, o governo não tinha outra saída, que as alternativas colocadas devam ser aceitas sem resignação. Este ponto de inflexão no plano, com a quebra de sua viga mestre —a paridade fixa do câmbio— deve servir de mote a todos aqueles que desejam ao país os menores sofrimentos possíveis dentro de uma crise internacional que tem sido comparada ao "crack" de 1929.
Não é possível mais aceitar a lógica do "nhenhenhém" neoliberal, com seus dogmas de Estado mínimo, privatizações, integração subordinada à economia globalizada e modernização conservadora. os preceitos do tristemente célebre "Consenso de Washington" e do Fundo Monetário Internacional não resolveram os problemas sociais e econômicos do México, estão inviabilizando a recuperação da Argentina e precocemente mostrará sua ineficácia entre nós.
O Brasil, por força do "impeachment" de Collor e da falência da revisão constitucional, foi o último dos países latino-americanos a tentar os ajustes estruturais preconizados pelas instituições financeiras internacionais. Aqui não se comprometeu a soberania e a economia do país como nos casos já citados. Temos, portanto, uma oportunidade que não pode ser desperdiçada para mudarmos de orientação.
Este novo rumo implica impedir a complementação desta política barrando de reformas na Constituição preconizadas pelo governo, por largas parcelas do empresariado e do capital internacional; implica em impedir a quebra dos monopólios estatais do petróleo, de energia e de telecomunicações, que deixarão o país incapaz de formular regras mínimas para o desenvolvimento estratégico; implica, também, impedir a privatização da Previdência e o abandono paulatino das áreas de saúde e educação, compensadas demagogicamente pelo "Programa da Comunidade Solidária"; implica, por fim, convocar o país para formular novas metas de desenvolvimento.
A Central Geral dos Trabalhadores (CGT), entidade que presido, está, juntamente com centenas de federações e confederações de todo país, fazendo sua parte. No último dia 9, realizamos um seminário com mais de 300 entidades no Congresso Nacional, em Brasília, procurando definir caminhos alternativos aos que nos têm sido apresentados. E sabemos de antemão que a materialização destes caminhos só acontecerá com muito esforço e muita luta por parte de nosso povo.
Só assim poderemos evitar que esta história termine como aquela música do Chico, com "cada qual no seu canto e em cada canto uma dor".

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