São Paulo, segunda-feira, 13 de março de 1995
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Benvindo à próxima fase com O. J. Simpson e Traci Lords

ANDRÉ FORASTIERI
ESPECIAL PARA A FOLHA

Ficamos batendo cabeça duas semanas. Queríamos porque queríamos botar uma capa de música na nossa revista. E quem diz que achamos? Procura no presente, não tem, procura no passado, não se justifica. Pintou a clássica saída de jornalista: "pô, vamos fazer uma capa sobre a ausência de ídolos no pop moderno!"
Mais ou menos. Não é exatamente que não tenhamos ídolos disponíveis, é que parece que eles não representam muita coisa. Se bem que esse negócio de ídolo com permanência é bem recente, coisa dos anos 80, talvez. Não existe precedentes para o que aconteceu com Madonna e Michael Jackson, nem mesmo nos Beatles e nos Stones. Enfim: era, é, uma sinuca de bico. O "star system" foi criado para encher os cinemas na recessão americana dos anos 30. Basicamente, consistia em inventar um monte de mentiras, consistentes com a imagem cinematográfica do astro, e depois propagandear as mentiras ao máximo.
Depois, chegou o refinamento. Não basta o roqueiro fazer cara de drogado: ele tem que se detonar ao máximo, ir trocar de sangue na Suíça etc. Nada queima mais o filme do que se fazer de marginal e ser bonzinho.
Como diria o Sonic, benvindo à próxima fase: a fase O. J. Simpson. Como um astro pode competir com o drama real do negão boa praça, astro do esporte, sendo julgado por esfaquear sua mulher mais-americana-impossível e seu possível amante?
Até eu acordo e vou direto ver a CNN. É de uma chatice hipnotizante. É vida real transformada em entretenimento, sem edição nem efeitos especiais. Talvez neste novo momento da cultura popular mundial, a celebridade não tenha significado, a não ser que esteja ancorada numa vida pessoal tão eletrizante como a persona pop do artista.
Se for assim, desconfio que sei quem será a grande estrela da próxima fase. O nome da moça é Traci Lords. A maioria dos leitores homens sabem de quem estou falando. Se você não sabe, lá vai. Traci Lords é um ícone da masturbação em cinco continentes. Na primeira metade dos anos 80, era a maior estrela do vídeo pornô, por causa de sua safadeza e sua carinha de ninfeta.
O que ninguém sabia é que ela era ninfeta mesmo. Tinha 16 anos quando começou a fazer pornô, o que é absolutamente criminoso nos Estados Unidos. Descobriram isso, apreenderam todas as fitas em que ela aparecia, processaram os produtores.
Traci, a essa altura com 19 anos, fez mais um filme na França e depois saiu do pornô. Virou atriz "séria" em seriados e em algumas produções classe Z, ficções-científicas e policiais vagabundos. Trabalhou com o diretor John Waters em "Cry-Baby" e "Mamãe É de Morte".
Agora, Traci vai lançar um disco. O primeiro single foi mandado para DJs da Inglaterra e Estados Unidos, sem identificação do artista. Colou. Paul Oakenfold, DJ britânico e produtor de gente como Primal Scream e Stone Roses, vai fazer um remix. E para completar, rola o boato de que Traci vai fazer uma série de participações especiais no seriado "Melrose".
Madonna pode fazer de conta que é uma piranha muito louca e rebelde. Mas como vai competir com uma menina que tomou todas as drogas, fez todas as besteiras e transou com algumas centenas de homens na frente das câmeras —antes dos 18 anos?
Axl Rose pode fazer de conta que é um bad boy daqueles, jogar cadeira em jornalista etc. Como vai competir com um cara que deu sei lá quantas facadas no pescoço da mãe de seus filhos (ou está sendo acusado disso)?
A resposta é: não tem como. Os acadêmicos que estudem o assunto e venham falando de "simulacros", "artefatos", "fake" etc. O nosso negócio é vida real e não tem mais volta.

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