São Paulo, segunda-feira, 13 de março de 1995
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'Pátria Minha' violenta tempo do folhetim

ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA

A lenta agonia de "Pátria Minha" terminou sem alarde na última sexta-feira. A variedade dos problemas enfrentados pela novela expôs as fragilidades intrínsecas à feitura do maior produto da indústria cultural brasileira. Em uma conjuntura surpreendentemente indefinida, a pressão excessiva sobre os autores atrapalhou o desenrolar da trama.
Por ser escrito e gravado ao mesmo tempo que vai ao ar, o folhetim eletrônico é capaz de estabelecer uma sintonia fina com o público. Quando "pega", constitui-se em um verdadeiro repertório nacional, através do qual vários debates e conflitos políticos e morais se atualizam.
Mas "antenar" tensões e expectativas de telespectadores, mulheres e homens dos mais variados segmentos sociais, é uma função delicada.
Em outras novelas e minisséries, Gilberto Braga captou brilhantemente ansiedades do público. Em "Vale Tudo", com Leonor Basséres e Aguinaldo Silva, alargou os limites do melodrama, chegando a antecipar as campanhas políticas contra a impunidade e a corrupção que se seguiram.
Em "Anos Rebeldes", minissérie de grande sucesso que está sendo reprisada no horário das 22h30, antecipou, e para alguns chegou mesmo a inspirar, o movimento dos caras-pintadas.
Já "Pátria Minha" sofreu com a dificuldade de dialogar com o Brasil da Copa, do real, das eleições. Tempos de indefinição, onde heróis do futebol rapidamente se reduzem a muambeiros.
Longe da febre verde-e-amarela da Copa de 70, ou do cruzado, o Brasil prefere aguardar com prudência. Às dificuldades de uma conjuntura de transição, soma-se a inabilidade com que a direção da Globo interveio e impôs soluções.
A pressão excessiva da produção sobre a criação violentou o tempo do folhetim, encerrando-o antes da hora e fazendo com que os autores se desdobrassem para preencher com novas tramas e eventos os capítulos que restavam. O timing da novela enlouqueceu, ao mesmo tempo que o final ficou absolutamente previsível.
Nada de novo aconteceu apesar do último mês ter sido pontuado por intensa atividade das personagens remanescentes. Desastres, atropelamentos, envenenamentos, mortes, prisão e gravidez tardia se precipitaram de maneira tão rápida que muitas vezes comprometeram a verossimilhança da trama e a identificação do público com as personagens.
Com sua abertura inspirada na bandeira nacional, "Pátria Minha" parecia chamar a atenção para uma certa responsabilidade de todos com a construção de um país mais justo. O destino de Loreta (Marieta Severo) confirma a intenção inicial, em contradição ao de Raul (Tarcísio Meira).
O fim de Loreta foi o ponto alto do final de "Pátria Minha". A hilária sobrinha do vilão e galã Raul Pelegrini, dona de uma butique chique em sofisticado shopping center do Rio, acaba como camelô de periferia.
"Estou fazendo um pouco de assistência social, trazendo bom gosto às classes menos favorecidas", explica ela a suas ex-empregadas procurando disfarçar a roupa rasgada.
Faltou tratar Raul com o mesmo deboche. Talvez o final da novela pudesse ter surpreendido se, além de punir Loreta, tivesse arriscado arranhar a dupla face galã/vilão da personagem de Tarcísio Meira.
Sua figura magnética desperta sempre a esperança da regeneração. Ele encarna a força e a autoridade máscula. Ele é rico e corrupto, mas pode ser sempre capaz de ceder aos encantos da jovem purificadora, empobrecer e se afastar da sujeira do mundo.
Raul, solitário, voltando placidamente de um passeio a cavalo em sua pousada de Goiás tinha um quê da pureza de João na primeira versão de "Irmãos Coragem". Nosso sempre bom galã maior flerta com a vilania, mas seu lado príncipe encantado permaneceu intacto.
E à novela que começou com o confronto maniqueísta entre o pragmatismo do poderoso empresário corrupto e o idealismo da jovem colegial de patins faltou a ousadia de negar a patética reconciliação geral.

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