São Paulo, segunda-feira, 13 de março de 1995
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'Linda Mulher' anula história

INÁCIO ARAUJO
DA REDAÇÃO

O cinema tem a virtude de dar consistência às fábulas. "King Kong", por exemplo, é uma variante da história de "A Bela e a Fera", mas para que a coisa funcione devemos sentir a tensão, o perigo e o horror da situação. Se isso acontece, a fábula torna-se real, sua alegoria passa para segundo plano.
É o que se deu com "Uma Linda Mulher" (Globo, 21h35), quando o filme foi lançado. De repente, uma bela prostituta de rua (Julia Roberts) encontra um belo milionário (Richard Gere).
O que começa como um caso de negócio corporal desenvolve-se, porém, como uma versão moderna de Cinderela: aquela garota despossuída, humilhada, de certo modo grosseira tem o tamanho de pé certinho para o jovem ricaço, que no fundo é um sentimental e um infeliz.
O filme foi um sucesso, em boa parte por abrir uma janela humanista num mundo sem complacência. Essa simpatia transbordante, porém, mostra suas garras com o passar do tempo. "Uma Linda Mulher" é um filme calculado para agradar em todos os sentidos e, nessa direção, um caso de mercantilização do humanismo e da tolerância.
O que se passa com a prostituição, nesse caso específico, já ocorreu em larga escala com o holocausto judaico na Segunda Guerra, conforme denunciou Pierre Vidal-Nacquet. Desta vez, é toda uma saga, a dos filmes sociais dos anos 30, o objeto dessa mercantilização.
Filmes que traziam um pensamento real sobre as condições de vida durante e após a Depressão, agora retornam, mas desossados. Baseiam-se no mesmo mecanismo de crença na imagem existente nos anos 30 e, de certo modo, seu trabalho consiste em apagar os traços de 50 ou 60 anos de história do cinema que se seguiram. Aí entramos no território da anulação da história, onda a fábula se repete como farsa.(IA)

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