São Paulo, segunda-feira, 13 de março de 1995
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O que é preciso saber sobre a reforma da Previdência

REINHOLD STEPHANES

Insisto numa tese que é fundamental para que o povo brasileiro compreenda a necessidade de reformarmos a Previdência universal e pública:
1) estão garantidos os direitos de quem se aposentou;
2) estão garantidos os direitos de quem tem tempo para se aposentar;
3) serão consideradas as expectativas de direito de quem vai se aposentar, está no meio do caminho, observadas regras de transição e, proporcionalmente, o tempo que tinha na situação anterior.
Insisto também em afirmar que a reforma se tornou inadiável para assegurar o pagamento dos que estão aposentados, para acabar com o clima de intranquilidade entre os que estão por se aposentar e possibilitar que a Previdência deixe de ser obstáculo ao aumento do salário mínimo.
Sem a reforma, a sociedade brasileira poderá assistir a uma nova crise na Previdência, o que não seria novidade. Nos últimos tempos, a Previdência passou por crises a cada dois anos. Essa mesma sociedade terá que ser convocada para encarar de frente a realidade que se abaterá sobre o sistema federal e, principalmente, sobre os sistemas dos Estados, dos municípios e complementares.
Devo igualmente reafirmar que não sou contra que as pessoas tenham aposentadorias altas, acima de 30, 50 ou 100 salários mínimos, desde que tenham contribuído para isso e desde que a sociedade saiba quem paga a conta.
O governo do presidente Fernando Henrique Cardoso convocou especialistas para definir a reforma com bases técnicas e doutrinárias, apoiada em elementos indiscutíveis de convicção.
Apresento alguns dados sobre as razões da reforma da Previdência e peço a atenção e a compreensão do leitor:
— As pessoas estão se aposentando cedo demais, 64,5% com menos de 54 anos e vivendo uma média de 18/20 anos com as aposentadorias. Isto, na média. Há categorias que atingem 30 anos.
— Determinadas categorias profissionais, com melhor qualidade de vida e de renda, podem ter várias aposentadorias.
— 40% das aposentadorias no país não trazem o tempo ideal de contribuição exigido pelo mais simples mandamento atuarial. Há pessoas que se aposentam com seis anos de contribuição. Outras passam longo tempo contribuindo pelo mínimo e, na reta final, dos 36 meses, aumentam suas contribuições.
— As aposentadorias por tempo de serviço só existem no Brasil e em alguns países árabes. Aposentadoria é seguro social e o conceito de seguro exige a contrapartida da contribuição, muito embora seja justo que o Estado assegure a proteção social para os desafortunados.
— As aposentadorias por tempo de serviço não beneficiam os pobres. São poucos os pobres que foram contemplados. A maioria absoluta se aposenta por idade. Portanto, os pobres acabam financiando os ricos, enquanto contribuem para o sistema ao longo de 35 anos e 40 de trabalho. Isto é perverso e injusto. Só os ricos se fartam com tais aposentadorias.
— Em termos demográficos, não há justificativas para distinção de urbanos e rurais e entre homens e mulheres. Está comprovado que aos 60 anos a esperança de vida dos urbanos e rurais é a mesma. A sobrevida das mulheres é 20% maior do que a dos homens.
— O direito de sucessão nos benefícios, especialmente pensões, não podem se perpetuar. Da mesma forma que pessoas não devem receber duas pensões de valores elevados, mesmo que seja em outros regimes.
— O crescimento, além do normal dos benefícios rurais, no rastro da contagem recíproca do tempo de serviço, sem contribuição, fez com que passassem de 2 milhões em 80 para 4 milhões em 90 e para 6 milhões em 94, triplicando em 15 anos. Com efeito, a contribuição não responde por 5% das despesas realizadas. Além disso, começaram a surgir fraudes e facilidades. A contagem recíproca ensejou distorções muito grandes, pois pessoas que não contribuíram no passado passaram a exercer atividades públicas e hoje recebem aposentadorias elevadas.
— O crescimento imoderado de benefícios sem a efetiva e irrenunciável contribuição faz com que a Previdência não tenha disponibilidade de caixa para remunerar melhor os benefícios dos que contribuíram. Estes, normalmente os que ganham menos, acabam pagando a conta, o que é moral, ética e socialmente injusto.
— A isenção de pagamento de contribuições previdenciárias sobre a folha pelas instituições filantrópicas prejudica o princípio contributivo do sistema. Sabe-se que estão tramitando 40 mil processos com pedidos de isenção.
— As renúncias legais, por decisão do Supremo, relativas aos autônomos e ao pró-labore e as retiradas dos diretores de empresas, representarão uma perda de receita de R$ 1 bilhão.
— O pagamento dos passivos legais, determinados pela Constituição de 88, na soma final, não será inferior a R$ 8 bilhões.
— Na União, os pagamentos com os aposentados e pensionistas se aproximam aos dos trabalhadores ativos. Há Estados e municípios em que a folha dos inativos supera a dos ativos, agravando as contas públicas. Muitos governadores e prefeitos são, efetivamente, chefes de departamento de pessoal. Poucos recursos sobram para investimentos em saúde, educação, rodovias, segurança, saneamento, energia, etc.
— Muitos municípios criaram previdências municipais, sem endereço certo, sem dirigentes, sem bases atuariais e demográficas, sem estatutos, sem bases contributivas. Está patente que o objetivo é não pagar a Previdência federal. Esta é uma bomba-relógio. Os municípios estão assumindo compromissos, não se capitalizando e no futuro gastarão todos os impostos para pagar benefícios.
O país precisa conhecer e meditar sobre estas e outras distorções na Previdência, para apoiar os esforços do presidente Fernando Henrique Cardoso visando a aprovação da reforma. Certamente, muitos brasileiros de boa-fé jamais pensaram que a legislação —por seus inúmeros furos e ralos— tornou o Brasil um paraíso previdenciário, para poucos. Uma nação de jovens senhores cinquentões aposentados. Isto seria muito bom se fosse justo, mas o que nos causa vergonha é que os mais pobres estão pagando e vão continuar pagando a conta.

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