São Paulo, terça-feira, 14 de março de 1995
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Uma só Justiça

LUIZ CAVERSAN

RIO DE JANEIRO — Digamos que um jornalista esteja a trabalho. Digamos que ele esteja dirigindo seu próprio automóvel, a caminho de uma entrevista. E digamos que por distração ou desrespeito à lei mesmo esse repórter ultrapasse um sinal de trânsito que estava fechado para ele.
Como tragédia pouca é bobagem, digamos que o carro do repórter atropele um pedestre e que esse pedestre venha a morrer.
Flagrante, testemunhas, boletim de ocorrência e tudo o mais será providenciado pelo trâmite natural desse tipo de coisa. Certamente um inquérito vai ser aberto e haverá um processo judicial.
Agora imagine se esse processo fosse aberto na Associação Brasileira de Imprensa e se o tal repórter viesse a ser julgado por... jornalistas.
Impensável tal situação, certo? Errado.
Basta mudar a profissão do personagem imaginado aqui para que tal absurdo se configure como realidade. Basta que o personagem seja um policial militar para que ele seja julgado por... militares.
Essa discrepância na legislação brasileira é —assim como a malfadada Lei de Imprensa— incômoda herança do regime militar, uma vez que foi introduzida por meio de decreto-lei número 1.001, de 21 de outubro de 1969. Com o evidente objetivo de criar um foro próprio para os companheiros de farda —ainda que em esfera diversa— dos militares então no poder.
Pouca gente sabe, mas há um projeto de lei, de autoria dos deputados paulistas Hélio Bicudo (PT) e Cunha Bueno (PPR), que acaba com distinção entre o policial militar e o cidadão civil para o julgamento dos crimes comuns.
O projeto, já aprovado pela Câmara, aguarda votação no Senado.
Portanto, para que o país volte a ter, assim como era até 1969, uma Justiça soberana e igual para todos, é preciso que haja a vontade dos senadores da República.

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