São Paulo, terça-feira, 14 de março de 1995
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Do México e do Chile -lições para a América Latina

RICARDO FFRENCH-DAVIS

Do México e do Chile —lições para a América Latina
Uma nação nunca deve renunciar ao poder de fazer política cambial
A crise que explodiu no México em dezembro do ano passado atingiu a América Latina e golpeou o crescente otimismo então existente na região. Um otimismo com boas razões, mas também com elevada dose de voluntarismo e certa visão distante da realidade. Havíamos passado do superpessimismo da década de 80 para o superotimismo dos anos 90.
Sempre pesou para esse superotimismo a dimensão financeira sobre a real situação da economia produtiva. A grande afluência de capitais externos, muitos de curto prazo, registrada em grande número de países latino-americanos, nos impediam de ver as debilidades da economia real: pouco investimento produtivo, baixa poupança, educação deteriorada, extrema pobreza e déficit externo crescente em países como o México.
A crise mexicana foi gerada muitos anos antes de 1994. A recuperação do México depois da crise da dívida dos anos 80 aconteceu de forma paulatina durante a segunda metade daquela década. Continuou nos anos 90, mas com uma recuperação apenas modesta do investimento, não obstante a entrada veloz de capitais externos.
Como foram usados esses recursos do exterior? Para financiar gastos do país, públicos ou privados, em consumo ou investimento, excedendo o valor de produção. É o que se chama de déficit do setor externo.
No México, esse déficit cresceu de US$ 7 bilhões em 1990 para US$ 14 bilhões em 1991, continuou subindo nos anos seguintes e chegou a US$ 29 bilhões em 1994.
O que podia ser financiável por um ou dois anos, não o era por cinco ou seis. No entanto, até 1994 os analistas financeiros diziam que não havia problemas, que a economia mexicana era um destino muito bom para os fundos externos.
Isto permitiu ao México, e o estimulou, a continuar acumulando passivos externos em quantidades crescentes, o que, mais cedo ou mais tarde, acabaria levando a uma crise. É o custo de uma visão míope, que só percebia os méritos incontestáveis de muitos sucessos do país, mas que não reconhecia os problemas subsistentes nem os que estavam sendo criados.
Desde 1988, houve uma forte valorização do sistema de câmbio real, acentuado na década de 90. As exportações cresceram, mas as importações o fizeram muito mais rapidamente. O investimento se recuperou, mas num nível inferior à entrada de capitais.
Portanto esses fundos externos reforçaram intensamente o consumo e desestimularam a poupança. O aumento do consumo não foi governamental, pois o México tinha uma situação fiscal equilibrada. Quem gastou em excesso foi o setor privado, financiado por recursos privados do exterior. A poupança interna mexicana caiu significativamente enquanto percentagem do Produto Interno Bruto (PIB).
Por que o Chile é claramente menos vulnerável à crise? Assim como a vulnerabilidade mexicana foi sendo forjada aos poucos, a força do Chile também vem sendo construída no decorrer de vários anos.
Diante da abundância de recursos externos, o Chile adotou uma política cautelosa e visionária nos últimos anos. Em vez de receber todo o capital que lhe ofereciam e gastá-lo, e permitir que o peso valorizasse ainda mais, o país optou por restringir os ingressos de capitais de curto prazo.
Em 1991, foi estabelecido um imposto e criada uma conta de reservas sem juros, tanto sobre os créditos externos como sobre os depósitos em moeda estrangeira. Assim desestimulou-se efetivamente a entrada de capitais especulativos.
É esta a razão pela qual o Chile apresenta um déficit externo moderado, o motivo pelo qual o tipo de câmbio está melhor situado que na maioria dos países do continente, o porquê do investimento interno ser o mais alto de nossa história, e, finalmente, a causa da dívida de curto prazo se encontrar em um patamar moderado e manejável.
Somente na Bolsa foi deixada uma porta entreaberta, que tem causado problemas localizados, mas não nos cabe discutir hoje essa questão.
É muito útil recordar o que aconteceu no Chile em 1982, quando o país sofreu a pior crise de toda a América Latina.
Nesse ano, o PIB caiu 15%. O Chile tinha um sistema de câmbio fixo, congelado entre 1979 e 1982, e havia optado por não fazer política monetária. Tinha também uma conta de capitais muito aberta, e regras muito permissivas de supervisão bancária. Foram essas as principais causas da crise de 82.
Entre 1977 e 1981, a economia chilena acostumou-se a volumes cada vez mais crescentes de financiamento externo. Quando esses começaram a escassear no final de 1981, a opção do governo foi dizer que, em uma economia sadia e livre, não havia motivo para fazer nada, a não ser reiterar a continuidade de políticas passivas e neutras. O enfoque equivocado ficou evidente.
No primeiro semestre de 1982, o PIB chileno caiu fortemente, a produção industrial decresceu 19%, o desemprego aberto chegou a 20% e a solvência do sistema bancário deteriorou-se.
Em junho de 1982, o governo reconheceu parte de seus erros e, entre outras medidas, desvalorizou massivamente o sistema de câmbio. Devido ao atraso da decisão, esta foi obviamente um acontecimento traumático, que se somou à grave recessão já em marcha há vários meses.
Dessas experiências do Chile e do México, podem-se tirar algumas lições para a América Latina.
Em primeiro lugar, uma nação nunca deve renunciar ao poder de fazer política cambial, amarrando suas mãos com um tipo de câmbio nominal fixo.
Em segundo, a abertura indiscriminada da conta de capitais poder ser muito prejudicial para o desenvolvimento produtivo e para o bem-estar da maioria da população.
É possível estabelecer uma regulamentação eficaz e eficiente, e o Chile tem demonstrado isso desde 1991. Políticas cambiais e monetárias adequadas são essenciais —um passo necessário, ainda que obviamente insuficiente, para gerar um desenvolvimento econômico e social sustentável.

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