São Paulo, quinta-feira, 16 de março de 1995
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A culpa é do Cony

JANIO DE FREITAS
A CULPA É DO CONY

Não escondo meus cuidados especiais com o ministro Luiz Carlos Bresser Pereira. Antes de constatar sua afabilidade, apreciei artigos e livros seus, que mostravam um economista não-tecnocrata, quer dizer, respeitável. Já o novo Bresser Pereira estava me preocupando com suas tiradas intempestivas, o velho sorriso fácil substituído pelo descritério ainda mais fácil, e agora o percebo vergado por uma pergunta. Deve ser culpa do texto deficiente do Cony. Ainda assim, não posso negar colaboração ao ministro.
Em mais uma incursão pelo território alheio, o novo Bresser pretende que as universidades federais passem a cobrar de 70% dos seus alunos. Lá de Copenhague, o ministro Paulo Renato de Souza, da Educação, lançou poderoso não à cobrança. Surgiu então a pergunta que abate Bresser:
"O que eu não entendi ainda é por que os ricos que estudam em universidades públicas não pagam, enquanto os pobres são obrigados a estudar em universidades particulares e pagam caro por isso."
A resposta parece simples, e só por isso me arrisco a tentá-la em auxílio de Bresser. Os estudantes pobres têm um inconveniente em relação aos outros: são pobres. E, sendo pobres, precisam trabalhar. Problema que é de mais fácil solução durante o dia. A proporção de alunos pobres em faculdades particulares deve-se aos cursos noturnos que elas oferecem. Não fosse o texto deficiente do Cony, que tanto perturba o ministro, a resposta óbvia lhe teria caído junto com a pergunta.
Mas o texto deficiente do Cony tem causado mais estragos na sensibilidade estilística de Bresser. Cobrar dos alunos de boa situação econômica é proposta muito defensável. Agora, por que "cobrar de 70% dos estudantes", como quer Bresser? Isso lembra o número de funcionários. Por anos e anos, os jornais falaram no inchaço do governo com seu milhão e meio de funcionários. Quem fazia por menos, citava 1 milhão e 200 mil. E tome de crítica aos políticos por incharem assim a máquina administrativa com nomeações de afilhados. Daí a onda contra a estabilidade.
No ano passado, porém, afinal foi concluído o cadastramento: o tal milhão e meio só chega, na verdade, a 596 mil funcionários. A ocupação das universidades públicas pelos ricos é outro chute criado e propalado por jornalistas. Levantamento já deste ano constatou que os considerados pobres ocupam metade das vagas naquelas universidades. Como, perturbado pelo texto deficiente do Cony, o ministro traiu outra vez o seu passado criterioso e estabeleceu que 70% pagariam, em defesa dos pobres queria que 20% deles pagassem como os ricos.
E já que estamos no capítulo dos chutes, não custa mencionar outro, que é o custo de US$ 10 mil por aluno de universidade pública. Este é propalado pelos jornalistas, mas a origem não foi sua habitual criatividade: veio do secretário de Ensino Superior do Ministério da Educação, Décio Zagottis. A própria secretaria deste eminente secretário publicou, no entanto, uma "Análise dos dados de custo das instituições federais de ensino superior", da qual se conclui que o custo médio do aluno é de US$ 3.280 por ano. Mais de três vezes inferior ao propalado e bastante bom se comparado ao das universidades particulares. Sobretudo considerando-se que estas não oferecem alguns cursos muito custosos, como os da agronomia.
Agora é a vez de Bresser Pereira dar resposta a uma perplexidade: de onde lhe veio o desatino de que o texto de Cony, um dos mais admiráveis da imprensa brasileira em qualquer tempo, é deficiente? Ah, já achei a resposta.

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