São Paulo, quinta-feira, 16 de março de 1995
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Resta o possível

Na última terça-feira, o presidente Fernando Henrique Cardoso dedicou-se a receber parlamentares e os seus pedidos. Chegou mesmo a gravar uma mensagem para os agricultores de Itumbiara (GO) e teve de ouvir pedidos de transcendental importância para os destinos do país, como a conclusão da BR-070, que liga Brasília a Uruaçu, e a liberação de vistos para 12 médicos cubanos. O pior é que existem informações de que este macabro ritual vá se repetir todas as terças.
Para o presidente, que prometera manter uma relação institucional com os partidos políticos, muita coisa mudou. Seria injusto, contudo, culpar apenas Fernando Henrique Cardoso pela guinada em seu "modus operandi".
Há que se reconhecer que, no Brasil, partidos políticos, na acepção mais orgânica do termo, inexistem, que o país é, desde os tempos de Caminha, o reino da fisiologia e da política pequena.
Talvez seja forçoso admitir que, no Brasil, enquanto não ocorrer uma verdadeira revolução na educação que no futuro fará com que apenas pessoas qualificadas cheguem à política, as coisas não podem funcionar de outra maneira. Sempre será preciso dobrar-se aos caprichos e pedidos de certos políticos, de gente mesquinha que coloca seus interesses pessoais muito à frente de tudo e de todos.
Se FHC não contentar essa gente, se não ceder um pouco, corre o risco de não ver aprovadas as mudanças constitucionais, estas sim a garantia da continuidade do plano de estabilização econômica, o interesse maior do país, sobretudo das classes mais pobres.
É o célebre "trade-off" dos economistas. Ainda assim é lamentável. Para além do sucesso do Plano Real, Fernando Henrique foi eleito também com base em suas promessas de mudar a forma de fazer política. Dissera que iria pôr um fim à fisiologia, inaugurar uma era de completa transparência e relacionar-se com os partidos de forma institucional. Estava decretado o fim da era do "é dando que se recebe". Ilusões duram pouco.
Entre o ideal e o possível, Fernando Henrique Cardoso, que prometera o primeiro, parece ter-se visto obrigado a optar pelo segundo. Resta lamentar que não se vá obter o ideal e torcer para que o possível não se transfigure em nada.

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