São Paulo, sexta-feira, 17 de março de 1995
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O nhenhenhém da educação

FERNANDO GUSMÃO

O governo jogou mais uma cortina de fumaça na educação. Até hoje, pouco ou nada se viu de projeto ou medida concreta para recuperar o ensino público, ampliá-lo e melhorar sua qualidade.
Primeiro foi o fim do vestibular, que acabou rapidamente esquecido sem ser devidamente esclarecido. Agora, é lançada uma medida provisória que prevê mudanças em duas questões principais: a avaliação das universidades e a eleição dos reitores. Mais uma vez, parece que o governo resolve atacar as consequências e não as causas do problema.
A União Nacional dos Estudantes (UNE) sempre defendeu que as universidades fossem avaliadas. Propõe para isso uma avaliação externa, através de uma comissão coordenada pelo Ministério da Educação, combinada com uma avaliação interna, em que estudantes, professores, funcionários e direção das instituições examinassem como anda o ensino, a pesquisa, os serviços prestados, a utilização de verbas, a qualidade de ensino.
Restringir algo tão amplo a uma simples prova é repetir o erro do vestibular, veementemente atacado (inclusive pelo governo) por ser uma forma insuficiente de seleção e avaliação. Se o estudante fica cinco anos em média na universidade, faz provas durante todo o curso, é aprovado, e é malsucedido no "exame final", é claro que o problema não está nele, mas na instituição de ensino.
É uma verdadeira demagogia achar que um exame que é feito em algumas horas vai resolver, ou ao menos melhorar, a qualidade do ensino no país. Esta prova de avaliação criaria, aí sim, uma discriminação, formando profissionais de primeira e segunda categorias. Queremos é que toda a formação profissional seja qualificada e não apenas uma parte dela.
Mais grave ainda será se o exame se tornar precondição para exercer a profissão. Não pode cair nas costas do estudante a punição por um ensino superior de má qualidade. O que o ministério propõe para melhorar a qualidade nas universidades? Vai aumentar o montante de verbas, que vem numa reta descendente nos últimos anos? Vai investir na qualificação dos professores? Vai impedir que escolas particulares cobrem mensalidades absurdas e ofereçam um ensino de baixa qualidade?
Já na eleição do reitor, o governo foi na contramão da autonomia. Por que não deixar que cada universidade decida como vai ser o processo eleitoral? Por que colocar uma camisa-de-força, obrigando que os professores tenham no mínimo 70% dos votos? As eleições de reitores têm sido momentos importantes de debate sobre o rumo da universidade, seus problemas e seus projetos.
Por fim, vale comentar a forma truculenta com que o governo está tratando esse tema. Editar uma medida provisória com assuntos tão polêmicos e importantes é um desrespeito para com a sociedade e com o Congresso que debate a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, num processo de ampla discussão com as entidades da área.
É inaceitável que o Conselho Nacional de Educação seja separado pelos níveis de ensino, como se estes fossem estanques e independentes. Lembro ao ministro que nem durante o regime militar o CFE (Conselho Federal de Educação) foi tão consultivo e pouco deliberativo.
O governo ainda está devendo à UNE e a toda a sociedade a abertura do debate sobre os rumos da educação. Os estudantes têm propostas para mudar a cara da educação no Brasil. E vão lutar por elas.
No dia 28 de março, vamos invadir a praia do governo. Uma grande caravana de estudantes à Brasília vai promover uma manifestação contra a desvinculação de verbas no Orçamento, contra o aumento das mensalidades, pela recuperação do ensino público. Para nós é um momento de luta. Para o governo pode ser uma boa chance de abrir o diálogo.

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