São Paulo, sexta-feira, 17 de março de 1995
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O novo plano econômico do México

RUDIGER DORNBUSCH

O novo plano econômico mexicano chegou atrasado demais. Nos últimos dois meses, a economia desintegrou-se, o peso foi para o espaço, um bom dia era um dia sem más notícias. Sob pressão da crescente incerteza e de notícias assustadoras sobre a época de Salinas, o peso desvalorizou-se até a taxa de oito pesos por dólar, mais de 100% de depreciação desde dezembro.
O novo plano é o melhor que o governo pode fazer. Contudo, mesmo que seja um bom programa, ele pode não ser suficiente. Explicarei melhor mais adiante. Por enquanto, apresento os pilares fundamentais do novo plano.
O primeiro pilar é o orçamento. Em comparação com o de 1994 (com suas despesas de ano de eleição), há uma melhoria de 2% do PIB no superávit primário do balanço de pagamentos.
O aumento dos impostos, em especial a elevação de 10% para 15% dos impostos sobre o valor agregado, é responsável pela melhor situação do orçamento. Outros elementos são a eliminação de subsídios e o realinhamento de preços, incluindo os da energia elétrica e da gasolina.
O Banco Central é o segundo foco do plano. A criação líquida de crédito está limitada a 10 bilhões de novos pesos. Isso equivale efetivamente a um mecanismo de uma "currency board" (ou conselho da moeda) sem, entretanto, o compromisso de sustentar a oferta de moeda com a taxa de câmbio.
Todavia, acima dos 10 bilhões de novos pesos, a criação de moeda só poderá ocorrer com o apoio da taxa de câmbio. Assim, se houver entrada de capital e aumento das reservas, a oferta de dinheiro poderá aumentar e as taxas de juros poderão cair. Se não entrar dinheiro, a criação de crédito será muito modesta.
Além disso, mesmo dentro do limite de 10 bilhões de novos pesos, a criação de crédito está limitada pela compatibilidade das taxas de câmbio. A criação de crédito somente poderá acontecer se for consistente com a meta de seis novos pesos por dólar.
O Banco Central do México também está comprometido com uma nova e rigorosa transparência na condução de suas diretrizes. Em vez de trabalhar em sigilo, com informações esporádicas sobre reservas e crédito, o BC agora apresentará a intervalos regulares relatórios sobre a sua situação financeira.
A terceira característica do programa é o abandono do pacto social, introduzido pelo governo Salinas. No passado, o pacto tinha se tornado, claramente, um ônus. Resultou em muita inflação e pouca competição. No contexto de severa desvalorização cambial, os aumentos de salários que tentam compensar a inflação trazem o risco de liberar uma grande inflação latente.
O plano limita o aumento de salários ao salário mínimo e a apenas 10%. Acima disso há somente a competição no mercado de trabalho que, no contexto de recessão, significa moderação dos aumentos salariais.
Com a definição do plano, o que está faltando, quais são os pontos fracos e como sua eficácia será testada?
Primeiro, lamentavelmente, o governo prefere apostar na recessão e no endividamento sem se dar conta de que a privatização da Pemex, a estatal petrolífera mexicana, injetaria capitais na reconstrução econômica.
O segundo ponto fraco é a não-renovação da administração do Banco Central. No ano passado, o Banco Central, que se tornou independente em 1994, abusou de sua nova condição para entrar com tudo no jogo eleitoral. A indicação de uma nova diretoria contribuiria bastante para a restauração da confiança dos investidores e do público.
As incertezas com relação ao plano manifestam-se em duas áreas. Primeiro, a meta da taxa de câmbio de seis pesos por dólar dá margem a dúvidas. Se se pretende que ela dure alguns meses, será difícil sustentá-la sem taxas de juros muito altas. Evidentemente há um "toma lá, dá cá" entre a meta cambial e a taxa de inflação.
Uma taxa de câmbio mais segura é um teste mais vigoroso para a tentação de elevar os salários e preços. Todavia, considerando que a moeda já esteve a sete novos pesos por dólar e chegou até a oito, a meta de seis não poderá ser mantida por muito tempo a não ser com uma recessão muito profunda. Seria mais sábio surpreender os mercados e começar a sete novos pesos por dólar.
A segunda área de incerteza diz respeito às previsões de crescimento. O governo acredita que a recessão será breve. A economia chegaria ao fundo do poço no segundo trimestre com um declínio de 3,9% em relação ao mesmo período do ano anterior. Por volta do final de 1995, o governo espera que a produção fique somente 0,6% abaixo do quarto trimestre de 1994.
Esse desempenho é improvável. Provavelmente a produção cairá em até 5%, atingindo o ponto mais baixo no quarto trimestre e com uma recuperação se estendendo até o final de 1996, se não chegar a 1997. O setor exportador se sairá muito bem, mas não há como ele fazer mais do que compensar o agudo declínio da demanda interna, já nos próximos trimestres.
O plano dará certo? Um plano bem-sucedido é aquele em que as taxas de juros, após algumas semanas, caem continuamente, à medida que o capital entra e as reservas se acumulam. O estado de sítio financeiro regride mesmo enquanto, por mais algum tempo, as falências continuam.
Com o tempo torna-se evidente que o crescimento das exportações e a substituição das importações estão ocorrendo a um ritmo muito importante, suficiente para estabelecer um crescimento significativo do PIB no ano seguinte (1996).
Numa situação de sucesso, nunca chega o dia em que se pode declarar a vitória —pelo menos não nos dois primeiros anos—, mas no decorrer de um ou dois meses torna-se cada vez mais evidente que o plano é viável, porque as reservas vão se acumulando e permitem que as taxas de juros diminuam.
Se a confiança não voltar, então, é claro, o afluxo de capital será insignificante e as taxas de juros permanecerão altas. Dívidas não-pagáveis se acumulam e a estratégia se torna cada vez mais inviável. À medida que esse quadro se desenvolve, a perspectiva de uma moratória financeira e mais desvalorizações voltam à tona e a fuga de capitais reaparece.
Um ingrediente importante para a confiança é a estabilidade política do México. Normalmente os problemas políticos não surgem no auge de uma recessão —a oposição não tem interesse em capitanear o navio no meio da tempestade, assim como não tem alternativa viável para o programa econômico.
Mesmo assim os investidores irão manter um olhar atento sobre o cenário político. O presidente Zedillo lidou muito bem com o caso Salinas e está certo em abrir o sistema, mesmo que em breve ele venha a se parecer com o existente na Itália, embora mais radical.
O teste de confiança, portanto, será se o acréscimo das reservas cambiais do Banco Central vier de investidores e não do Tesouro dos EUA ou do FMI. Os mexicanos receberam bem o plano, até agora. A questão seguinte é se Nova York se juntará a eles. O problema neste momento não é somente o México, é claro, mas também a Argentina e o Brasil e todos os demais mercados emergentes. A ocorrência de problemas em qualquer um deles irá piorar as perspectivas nos outros.
É por isso que o sucesso do plano, por mais duro que o programa seja, não é suficiente. O governo do México não podia fazer nada muito melhor; os investidores, entretanto, têm a opção de simplesmente "esperar para ver". Mas o México não pode se dar a esse luxo com os atuais níveis das taxas de juros.

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