São Paulo, sábado, 18 de março de 1995
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Uma fase de riscos

JANIO DE FREITAS

Além de marcar o retorno do Exército à repressão violenta a manifestações civis, e justamente na semana em que o regime civil faz 10 anos, os incidentes em torno do presidente Fernando Henrique, no Rio, alertam para a inauguração de uma fase propensa a turbulências sucessivas, diante das quais a falta de autoridade lúcida abre o risco de consequências graves.
A última intervenção do Exército contra manifestações civis deu-se em 88. Quem dela se lembra não esqueceu, também, dos três operários mortos por um acesso de violência furiosa dos militares. E eram apenas participantes desarmados de uma greve já no final.
O governo Fernando Henrique tem razões ideológicas, algumas administrativas e outras tantas econômicas para as alterações constitucionais que está propondo, junto com projetos menores. Mas quase todas estas intenções ferem direitos e conquistas que não custaram pouco. É tão natural que o governo queira as alterações quanto é natural que os ameaçados lutem por seus direitos e conquistas. O problema são os métodos de parte a parte.
O prometido debate das alterações com a sociedade não aconteceu. Em parte, não é difícil reconhecer, até por falta de mecanismos com maior alcance para isso. Ainda assim, o governo poderia ter feito e estar fazendo mais do que quis e quer fazer. Sua mínima iniciativa, nesse sentido, foi a ida dos ministros Reinhold Stephanes e Nelson Jobim a um ou outro debate com sindicalistas. Para nada, porém, porque as deliberações anteriores mantiveram-se depois dos raros debates. Nem mesmo com os parlamentares houve exame mais abrangente e claro das formulações governamentais, de maneira a atenuar as pressões populares e facilitar o trâmite menos conflituoso das propostas no Congresso.
A corrida às aposentadorias, onerando mais os cofres da Previdência, é um dos resultados contraditórios, mas lógicos, do comportamento do governo. Contradição até com outros alcances negativos, como no caso dos professores universitários. Por não procurar, em debates e estudos com eles, a forma mutuamente satisfatória de substituir progressivamente sua atual modalidade de aposentadoria, o governo levou-os a solicitá-la em massa.
Ou seja, no momento mesmo em que se afirma preocupado com a melhoria do ensino em todos os níveis, e em especial no nível superior, o governo forçou inúmeros dos mais qualificados professores universitários a deixarem as salas de aula e as pesquisas, para salvar os direitos ameaçados sem possibilidade de defesa. O governo, agora, vai pagar as aposentadorias e os novos professores.
As inabilidades governamentais e a contraposição de interesses já são bastantes para configurar um quadro complicado. Se a ele se acrescentar a violência, e ainda mais a violência à maneira de tempos passados, não só as alterações pretendidas pelo governo estarão a perigo. O conceito que os militares vêm construindo, os do governo e do próprio Fernando Henrique não o estarão menos. E, com eles, vidas tão dignas e merecidas como as dos três mortos de Volta Redonda.

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