São Paulo, sábado, 18 de março de 1995
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Um novo ciclo

MICHEL TEMER

O Brasil mudou muito nas últimas décadas. E mudou a ponto de podermos divisar um horizonte de racionalidade, de civismo, de voto de opinião, de decisão por convicção doutrinária, de apoio político por crença em propostas.
Pode-se até admitir que o país convive, ainda, com razoável parcela de incultura política, traduzida nas faces do empreguismo, do paternalismo, do fisiologismo, enfim, do "mandonismo", cujo lema —"Para os amigos, pão, para os inimigos, nada"— foi tão bem retratado por Vítor Nunes Leal, no magistral "Coronelismo, Enxada e Voto".
Sabemos que a rarefação do poder público em nosso país contribui muito para a sobrevivência da cultura fisiológica e que a implantação do regime federativo deu relevância à política de reciprocidade.
Ao tornar eletivo o governo dos Estados, permitiu a montagem, nas antigas províncias, de sólidas máquinas eleitorais estáveis, base da política dos agentes governamentais que trouxe consigo a utilização do dinheiro, dos serviços e dos cargos públicos como processo usual de ação partidária.
Não podemos, porém, deixar de distinguir avanços na cultura política brasileira. O desenvolvimento das cidades, o acesso às tecnologias, a extensão da educação a imensos contingentes, o progresso industrial, a organização da sociedade e o sentimento cívico que se propaga, com a idéia central de participação mais direta e intensa do cidadão no processo político, nos animam a acreditar que o Brasil está fechando, mesmo que devagar, a página do costume do voto clientelístico.
Apenas para lembrar: o Congresso Nacional afastou um presidente da República e cortou sua própria carne, ao excluir alguns de seus representantes. Estamos vivendo o início de um ciclo: o da cidadania e da ética. Mudanças estão ocorrendo em muitos setores, e a sociedade aguça o seu discurso crítico e o exercício da cidadania.
Entendemos que há muito, ainda, por fazer. Precisamos, por meio da educação, aumentar a faixa dos cidadãos ativos e diminuir os contingentes de cidadãos passivos, dóceis e indiferentes, que sustentam a política sem ideais e a cultura da reciprocidade.
Cremos que o governo está interessado em acabar com o sistema baseado no "do ut des" (apoio político em troca de favores). Por isso não acredito que o governo usará a engenharia do "é dando que se recebe" para obter apoios do Congresso.
É claro que muitas e muitas vezes o governo ouvirá o parlamentar sobre questões administrativas regionais, o que não significa fisiologismo e sim colaboração. Mas a motivação parlamentar gira em torno das grandes questões inspiradas no interesse social e no estágio de desenvolvimento do país.
Nós, do PMDB, temos feito reuniões em que o eixo é a posição programática, doutrinária. Na próxima terça-feira, o PMDB vai, por exemplo, discutir o instituto da medida provisória, tema de natureza institucional de alta relevância para equilibrar as relações entre os Poderes Executivo e Legislativo.
Sentimos que as casas parlamentares respiram civismo. Os assuntos que estão sendo debatidos revelam a feição de um Congresso muito atuante e ansioso para mostrar que o ideal coletivo estará acima dos particularismos.

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