São Paulo, segunda-feira, 20 de março de 1995
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Fleury ataca Quércia e admite deixar PMDB

ANDREW GREENLEES; CARLOS EDUARDO ALVES
DO PAINEL

CARLOS EDUARDO ALVES
O ex-governador paulista Luiz Antonio Fleury Filho já admite deixar o PMDB.
Em entrevista exclusiva à Folha, Fleury classifica de "covarde" e "oportunista" o comportamento de seu padrinho político, Orestes Quércia, que hoje é seu desafeto. Quércia não quis se manifestar.
Fleury critica ainda o Banco Central no episódio da intervenção no Banespa.
A seguir, os principais trechos da entrevista:

Folha — Como o sr. responde à avaliação de que o Estado está falido por sua má administração?
Luiz Antonio Fleury Filho — A situação que o governador Covas recebeu é uma situação muito melhor do que a que eu recebi. Eu não fiz dívidas novas. A dívida mobiliária evoluiu no meu governo pelas altas taxas de juros praticadas pelo governo federal. A dívida com o governo federal foi negociada para pagamento em 20 anos. As dívidas com o Banespa foram negociadas para pagamento em 12 anos e foram pagas pontualmente.
Folha — O Banespa é tido como exemplo da má administração financeira.
Fleury — Não houve financiamento do setor público no meu governo. O crescimento da dívida do setor público com o Banespa se deveu à taxa de juros, e nós pagamos US$ 23 milhões por mês, de 92 a 94.
Folha — O sr. acha então que não houve má gestão no Banespa?
Fleury — O problema do Banespa é a dívida do Estado com ele. Já estávamos executando o plano de saneamento do banco. A decisão do Banco Central de intervir foi meramente política. Já tínhamos pago dois dos 12 anos de prazo para sanear o Banespa. Só que a taxa de juros cobrada pelo Banco Central era absurda. A prestação de US$ 23 milhões ia passar para US$ 90 milhões e aí o Estado não teria condições de pagar. O que houve foi uma manobra política.
Folha — De quem?
Fleury — Do Banco Central, que queria privatizar o Banespa como exemplo. Agora, na semana passada, o Pérsio Arida deu um prejuízo maior que o prejuízo do Banespa, numa única semana. A crise cambial foi um erro de gerência. Ele veio a público, fez um "mea culpa" e ficou por isso mesmo. São dois pesos e duas medidas. Qual a razão para não intervir no Banco Central por um prejuízo de US$ 7 bilhões, como aconteceu agora?
Folha — E o peso do inchaço do Baneser nisso tudo? Não conta?
Fleury — A Folha já mostrou que o fim do Baneser acabou com o aparato social do Estado. Houve uma ação política que desmontou alguns dos principais programas do meu governo que tiveram sucesso.
Folha — Mas se o governo do sr. foi tão bom, como explicar que o seu candidato ao governo tenha ficado em quarto lugar na eleição?
Fleury — Não houve eleição para governador. A eleição presidencial polarizou tudo. Além disso, houve a culpa da candidatura Quércia, que contrariou a vontade do partido. O Quércia agora está tentando me atribuir a culpa pelo insucesso das eleições. Eu não fui candidato e não perdi a eleição.
Folha — Um dos episódios que mais marcaram seu governo foi o massacre de 111 presos no Carandiru. Qual a avaliação que o sr. faz hoje desse episódio?
Fleury — A questão do Carandiru já aconteceu nos Estados Unidos, na Venezuela etc. Eu estava fora de São Paulo, sem comunicação. Talvez, se tivesse se esperado mais um pouco, poder-se-ia ter evitado. Eu não dei autorização para a invasão porque estava no ar, viajando. A entrada no presídio eu acho que foi correta, a invasão foi correta. O que houve foi um desvio na execução.
Folha — Execução, no caso, aplicada literalmente à palavra?
Fleury — Não, isso é um termo técnico-jurídico. Eu tomei todas as providências que poderia tomar. Afastei desde o secretário de Segurança até todos os coronéis da PM que participaram da ação. A Justiça vai julgar.
Folha — A obra que daria mais visibilidade ao governo do sr., a despoluição do rio Tietê, é um projeto que parou.
Fleury — Quem parou foi o Covas. O projeto sofreu um atraso de mais de ano causado pela não-concessão do aval da União para um empréstimo japonês de US$ 450 milhões. Além disso, houve uma nova lei que nos obrigou a refazer uma série de novas licitações. Em qualquer lugar, quem despolui em quatro anos um rio em 40% merece estátua. No Brasil, é aquela piada do sujeito que é considerado um super-homem e diz que vai manter dez contatos sexuais, um atrás do outro. Não consegue e faz nove contatos. Aí, todo mundo chama o sujeito de bicha. É a mesma coisa.
Folha — O sr. e o ex-governador Quércia hoje são adversários. Como vai acabar isso?
Fleury — Acho que em maio, quando será eleita a direção estadual, vai haver um equilíbrio entre as duas forças.
Folha — Mas é possível a convivência no mesmo partido de duas forças tão antagônicas?
Fleury — Eu sempre pautei a minha conduta com muita lealdade. Diria até que fui uma vítima da minha lealdade. Apoiei a candidatura do Quércia à Presidência mesmo sabendo que não ia dar em nada. Agora, chego e encontro uma situação em que estou sendo atacado por ele, pela imprensa com ironia e em reuniões privadas com palavrões.
Folha - E o que o sr. diz disso?
Fleury - Não aceito esse tipo de comportamento. Acho que é oportunismo. Se ele pensava tudo isso de mim porque não rompeu quando eu era governador? É covardia também, porque não rompeu quando eu estava no poder. O oportunismo se revela também porque é um momento em que há uma discussão, uma polêmica, sobre o meu governo. Agora, o PMDB de São Paulo vai ter que escolher: ou ouve a voz do Quércia ou ouve a voz das ruas. Ele tem dito que vai me expulsar do partido. Em nível nacional, as maiores lideranças do PMDB acompanham com muita preocupação o que está se passando aqui em São Paulo. Essa crise pode ter desdobramentos nacionais, inclusive com relação ao apoio ao governo Fernando Henrique.
Folha — Uma vitória de Quércia no PMDB de São Paulo ameaça esse apoio?
Fleury — O partido está muito dividido. Uma vitória hegemônica poderia complicar. Um partido precisa ter várias lideranças. A liderança do Quércia, do Sarney, a minha liderança, todas eles precisam ser respeitadas. O que eu tenho visto é um desrespeito à minha liderança por parte do Quércia. E eu não vou abdicar da minha liderança. O Quércia está usando isso aí para apagar da memória das pessoas o insucesso dele na eleição de 94. Ele deve ter esquecido que ficou atrás do Enéas, inclusive em Campinas. Eu vou trabalhar para firmar mais a minha liderança dentro do PMDB.
Folha — O sr. acha muito difícil um acordo político com Quércia para a direção do PMDB-SP?
Fleury — Existe um movimento para haver uma chapa única, contemplando as principais lideranças do partido. Mas aí a disputa vai se dar dentro da chapa única para ver quem é maioria na chapa. As coisas caminharam de tal maneira que eu diria que as posições são quase irreconciliáveis.
Folha — Se o sr. se sentir sem espaço no partido, pode sair do PMDB?
Fleury — Aí entra um outro aspecto. Eu tenho uma bancada de cerca de 15 deputados e alguns senadores e preciso conversar com eles. Antes de maio, nada será decidido. Mas não aceito ficar sem espaço no PMDB de São Paulo.
Folha — Qual a sua ação agora?
Fleury — É ganhar espaço no partido e, se isso não for possível, eu vou rever, estudar o que vou fazer. A coisa foi longe demais, inclusive nos ataques pessoais que eu tenho recebido.
Folha — Dá para conviver com Quércia no mesmo partido?
Fleury - Esse quadro é muito ruim para o partido. Foi pensando no partido que eu busquei a unidade de todas maneiras. Mas para tudo existe um limite e eu cheguei no meu limite.
Folha — Insistindo na pergunta: o sr. acha possível continuar no mesmo partido?
Fleury — É muito difícil. Mas estive agora em Brasília e tive uma recepção muito boa. Em nível nacional, a minha liderança é muito grande dentro do PMDB. O Íris Resende me lançou para presidente do Diretório Nacional. Outras lideranças importantes também querem isso. Então eu vou ter que pesar tudo isso se acontecer de haver uma hegemonia do quercismo no PMDB de São Paulo.

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