São Paulo, segunda-feira, 20 de março de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Brasil, o paraíso dos compradores?

JOÃO BOSCO LODI

A atual voga das fusões e aquisições é o resultado de uma favorável conjunção de circunstâncias: empresas nacionais convalescentes de prolongada crise, capital internacional migrando para países de oportunidade emergente, sinais de estabilização brasileira e ruidosa promoção por parte de banqueiros, auditores e consultores interessados na intermediação de negócios.
A pesquisa da Price Waterhouse sobre fusões e aquisições de 1994, completando relatório semelhante da KPMG de 1993, teve o mérito de chamar a atenção sobre o fenômeno e sabiamente silenciou sobre isso ser um indicador de tendência.
O volume de transações até setembro de 1994 foi 11% superior ao ano de 1993, ou seja, cresceu de 179 para 199 somando os vários tipos de transações.
As causas macro do fenômeno foram situadas em: estabilização e liberalização da economia, eliminação das reservas de mercado, uma sombria política cambial que reduz as tarifas de importação enquanto eleva a de exportação, privatização das estatais e formação dos mercados comuns latino-americanos.
As causas micro foram: busca da racionalização de custos e produtos, aumento de participações no mercado, busca do parceiro nacional já experiente, especialização, agregação de tecnologia e "global sourcing".
A janela da oportunidade. A análise da pesquisa divulgada pela imprensa pode ser acrescida de outras ponderações. Passamos por um prolongado período de ausência de perspectiva, que deteriorou a moeda, afugentou o capital externo e aprofundou a recessão interna. Sete ministros da Fazenda e cinco reformas fracassadas até o advento de Collor, seguidos pela grave crise institucional de credibilidade e corrupção dos anos 90/92.
Nesse período, a ausência de dividendos e a disputa de poder agravaram relações societárias e provocaram crises administrativas em delicados momentos de sucessão. A abertura aos importados num momento de enfermidade da indústria nacional, somada à agressividade dos tigres asiáticos e à queda dos preços internacionais para os exportadores.
Convalescentes ou sobreviventes dessa prolongada doença, os empresários que desistiram de sobreviver encontraram uma tentadora janela de oportunidade na oferta de compra. Repentinamente aconteceu a conjugação da disponibilidade dos recursos externos de financiamento com os preços baixos de oferta da empresa nacional.
"Bacia das almas". As frequentes análises externas sobre as oportunidades de "shopping no Brasil não levam em conta que o país não resolveu ainda nenhum dos problemas básicos e continua um risco político: educação e saúde, violência, segurança e política penitenciária, desigualdades regionais e de distribuição de rendas, baixo poder aquisitivo da maioria da população, reforma fiscal, excessivo peso trabalhista, obsoletismo dos projetos de eletrificação, infra-estrutura viária etc.
Como é possível estabilidade econômica sem melhoria da estrutura básica? Por que, então, o interesse internacional pelo Brasil?
A maioria das compradoras são empresas norte-americanas sofrendo a crise da matriz, a falha de credibilidade do governo Clinton.
Segundo a revista "Fortune" (nov./94), citando a Dun and Bradstreet, o número de falências nos EUA subiu de 50 mil para 90 mil entre 1989 e 1992.
O capital externo está esgotando suas possibilidades de migração para o Leste Europeu e para o Sudeste Asiático e não tem para onde ir.
A economia brasileira apresentada na "bacia das almas" oportuniza-se como o paraíso dos compradores. O capital norte-americano, apontado como o maior agente de compras, passou de 25% em 1991 para 40% em setembro de 1994.
Mas ele também é um vendedor significativo: 23% das vendas em 1991 eram de empresas estrangeiras (o exemplo marcante é a venda da subsidiária da Atlantic para o grupo nacional Ipiranga), aumentando para 29% em 1994. Várias dessas vendas foram para sanear problemas financeiros na matriz.
A crise mexicana dará um freio temporário para esse tropel de compradores. Ao longo de 1995 virá à nossa mente o fantasma argentino do enfraquecimento do parque nacional. A política cambial deverá ser corrigida.
O empresário nacional retomará a fé em sua capacidade de levar adiante a sua empresa. Ficará a reflexão sobre as vantagens e perigos do capital externo.

Texto Anterior: No entroncamento; Nova versão; Mercado segurador; Instalação rápida; Instância superior; Risco apontado; Mercado cresce; Em expansão; Contador eletrônico
Próximo Texto: Ciclo sobre qualidade total tem palestra hoje
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.