São Paulo, segunda-feira, 20 de março de 1995
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Brasil deve investir na preservação dos filmes

Cinema mudo praticamente desapareceu

AMIR LABAKI
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Quando se deve celebrar o centenário do cinema no Brasil? Neste ano, seguindo a onda mundial que homenageia o pioneirismo dos irmãos Lumière? No ano que vem, quando em 8 de julho será completado um século desde a primeira sessão pública? Ou em 1998, mais exatamente em 19 de julho, data sobretudo simbólica da primeira filmagem no país, realizada por Afonso Segreto no paquete "Brésil" à entrada da baía de Guanabara? Ou será um pouco antes, em novembro de 1997, cem anos depois do registro da patente das "fotografias vivas" do doutor Cunha Salles?
Compreende-se assim por que se deve falar num período de comemorações, e não em 1995 como "o ano do centenário". Aliás, nos EUA, os inventos precursores de Edison justificaram a antecipação e extensão da festa ("anos de descoberta, 1891-1896, anos de celebração, 1991-1996" é a divisa americana).
As retrospectivas brasileiras não vão demorar a exibir um triste balanço. Segundo o pesquisador Carlos Roberto de Souza, coordenador da área técnica da Cinemateca Brasileira, "se tanto, cinco por cento da produção da era muda no Brasil se conservou". O célebre filme inaugural dos irmãos Segreto, "Fortalezas e Navios de Guerra na Baía da Guanabara", não resistiu. (Curiosamente, sequer há registro dele nos arquivos do Instituto Lumière em Lyon, ainda que Paschoal Segreto seja lá lembrado como um dos pioneiros mundiais na divulgação do cinematógrafo).
Fora alguns fragmentos de documentários, "Os Óculos de Vovô" rodado em 1913 em Pelotas por Francisco Santos é o mais antigo filme brasileiro preservado. A importante produção ficcional silenciosa carioca a partir de 1913 não deixou rastro. A história do cinema mudo nacional mal pode ser entrevista pelo que restou: fragmentos de João da Mata do ciclo de Campinas, algo do ciclo de Recife encabeçado por Jota Soares e Gentil Roiz, alguns documentários de Silvino Santos de Manaus, apenas duas obras paulistanas de José Medina, "Limite" (1930) de Mário Peixoto, e não muito mais.
As duas primeiras décadas (30-40) do cinema falado registram um pequeno avanço. Ademar Gonzaga soube desenvolver uma precoce preocupação preservacionista em sua Cinédia e revelaram-se seguros os arquivos de cinejornais do DIP getulista. Mas clássicos de nascença como "Favela de Meus Amores" (1935) de Humberto Mauro desapareceram devido a incêndios, outros acidentes e imprudências variadas, e inúmeros marcos da chanchada igualmente viraram pó e lenda, como "Moleque Tião" (1943), rodado por José Carlos Burle com um iniciante Grande Otelo para a nascente Atlântida.
"A partir de 1950, a coisa fica mais sob controle", reconhece Carlos Roberto. Explica-se: a mentalidade cinepreservacionista dá um salto em 1949 com a criação da Filmoteca do Museu de Arte Moderna de São Paulo, embrião da atual Cinemateca Brasileira. Foi um longo e gradual aprendizado (viriam depois a Cinemateca do MAM-RJ e Guido Viaro em Curitiba), mas desde então as perdas irreparáveis têm sido limitadas. "Redenção" (1959) de Roberto Pires é a principal. "O negativo está irrestaurável", lamenta o técnico.
Evitando igual destino, "O Cangaceiro" (1953), "O Pagador de Promessas" (1962), "A Hora e a Vez de Augusto Matraga" (1965) e cinco comédias de Mazzaroppi acabam de ser remasterizados. Outros filmes do cômico, alguns clássicos da Vera Cruz, "Fome de Amor"(1968), de Nelson Pereira dos Santos, e a "Trilogia do Terror" (1968) de Mojica, Person e Candeias estão a exigir urgentemente o mesmo cuidado, para o que dependem da obtenção de verbas.
Se este centenário não servir nem para preservar nossos filmes, para que servirá?

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