São Paulo, segunda-feira, 20 de março de 1995
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Filme reafirma o fascínio das aparências

ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA

Ao denunciar as falcatruas de um popular programa de TV americano dos anos 50, o filme "Quiz Show" reafirma o poder inabalável da mídia em jogar com as aparências. Mas o filme de Robert Redford chama também a atenção para a complexa combinação de autenticidade e espetáculo na construção das imagens de TV.
O filme sugere que um certo fascínio pela autenticidade está aí há muito tempo. Se houve uma mudança, ela se refere ao interesse dos "reality shows" (shows de realidade) pelos repertórios privados em detrimento do tradicional discurso público.
"Quiz Show" denuncia a mentira e a manipulação nos bastidores dos programas de auditório que envolvem participação "espontânea" de pessoas de fora do show bizz. Discute o fascínio da glória, da fama e das luzes. Discute o fosso entre o mundo acadêmico da alta cultura e a programação barata e falsificada do programa de auditório. Reafirma nossas suspeitas de falcatrua, mas vai além da mera denúncia de falsidade, revelando alguns dos mecanismos de funcionamento da indústria.
No filme, a gravação ao vivo sugeria espontaneidade essencial ao sucesso da "culturinha" televisiva. Essa atmosfera de autenticidade era garantida principalmente pela participação de concorrentes escolhidos entre voluntários.
O apelo exercido pela presença de cidadãos "autênticos" nos "reality shows" que pululam na TV francesa foi assunto de um número da revista "Esprit" (janeiro de 1993). Alain Ehrenberg e Pierre Chambat abordam a proliferação de programas semelhantes aos nossos "O Povo na TV" e "O Homem do Sapato Branco". Seus artigos salientam que esses programas vivem justamente do apelo à participação "autêntica" de "pessoas do povo", que vêm contar o seu caso pessoal trágico, competir em gincana ou arranjar namorado.
Os autores observam que esses programas estão relacionados com a despolitização radical da televisão francesa. Referem-se à desaparição das emissões políticas do horário nobre, à crescente presença de políticos em shows de variedades e à multiplicação de programas de jogos. A televisão do clip e do vídeo tape diluiu as fronteiras entre a ficção e a notícia. E não dispensou -ao contrário, exacerbou- a busca por elementos de autenticidade.
Na televisão francesa, tradicionalmente controlada pelo Estado, os "reality shows" representam novidade curiosa. No Brasil, onde a televisão em certa medida esteve voltada para o público consumidor de maior poder aquisitivo, esses shows ora são estimulados, ora podados, ou relegados ao domingão. Já na pátria do entretenimento, desde o começo nos anos 50, a TV atrai cidadãos leigos a participar como estrelas de seus shows. De lá para cá, a fascinação pela exibição em público cresceu com os "reality shows" e com os programas interativos.
Mas em toda parte há um fascínio pela intimidade. Enquanto que nas gincanas de perguntas e respostas, os cidadãos expunham seus conhecimentos enciclopédicos de cultura geral, são os detalhes de sua vida privada que interessam aos shows que povoam a televisão contemporânea.

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