São Paulo, segunda-feira, 20 de março de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Um tributo para a miséria

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS

O editorial da Folha de 14 de março de 1995, sobre a reunião de países desenvolvidos e em desenvolvimento encerrada em Copenhague no último domingo, refere-se à possibilidade de adoção de um tributo incidente sobre transferências internacionais para aplicações financeiras e no mercado de capitais, semelhante ao imposto único de Marcos Cintra ou ao IPMF.
A destinação de tal tributo seria para o combate à miséria, que cresce no mundo inteiro.
É de se ressaltar que a Folha deu especial destaque às discussões que culminaram numa proposta de Tobin, Prêmio Nobel de Economia, para que se utilizasse o referido tributo sobre os investimentos financeiros. Tributos sobre o sistema financeiro, com característica regulatória da economia, o Brasil já adotara em 1965 na E.C. nº 18 e no CTN DE 66 (IOF), tendo James Tobin estendido, em 1978, a sugestão para o sistema internacional, com elogios do senador Eduardo Suplicy (PT-SP) em artigo publicado no último dia 15.
À evidência, o nome de um Prêmio Nobel e o apoio de países desenvolvidos constituem avais respeitáveis, embora atrasados em relação à idêntica proposta já feita no Brasil, há pelo menos três anos, em sua dimensão social.
Estou convencido de que para alguém obter o Prêmio Nobel de Economia é necessário falar inglês e ser norte-americano, muito embora para alguém ser um bom economista é preferível não ser norte-americano, mas falar inglês. É que os americanos trabalham com excesso de recursos e escassez de originalidade, ao contrário dos economistas de outros países, que suprem a escassez de recursos com bastante originalidade. O certo, todavia, é que o aval de um Prêmio Nobel de Economia para uma idéia social, que não gerou, é de indiscutível impacto.
Após as discussões da proposta de Marcos Cintra para um imposto único, em começos de 1990 e da minha proposta de cinco tributos (quatro impostos e uma contribuição social), que se travaram em variados cenários (universidades, entidades de classe, Congresso Nacional, jornais etc.), chegamos, os dois, com o deputado Luís Roberto Ponte, a uma proposta intermediária, em que se adotaria a técnica do imposto único para substituir, com uma única contribuição, as contribuições sociais em vigor, a ser arrecadada sobre toda a movimentação financeira, inclusive das entidades públicas, o que implicaria potencial receita de US$ 36 bilhões por ano, em face da movimentação de US$ 12 bilhões no país em 1992, se a alíquota adotada fosse de 0,3%.
Tal proposta serviu de base para substitutivo ao PEC 17 (projeto de emenda constitucional), proposto por Flávio Rocha, para instituir o imposto único e para minha proposta, encampada por Germano Rigotto, Renata Gordilho, Gilberto Miranda e Victor Faccioni e apresentada como projeto de emenda constitucional, na revisão de 1993.
A idéia de uma contribuição social capaz de substituir todas as demais não só, de um lado, aliviaria o financiamento da Seguridade Social dos encargos diretos incidentes sobre a mão-de-obra —que hoje praticamente duplicam seu valor, dificultando a elevação do nível de emprego no país, pelo menos o "oficial"— como, por outro lado, obrigaria as entidades "robotizadas", com pouca mão-de-obra, a contribuir para a seguridade, à luz de sua potencialidade econômica, sobre permitir, ainda, que aqueles que especulam no mercado financeiro ou acionário tragam também sua participação à área social.
Não só a proposta facilitaria a legalização de mão-de-obra informal, pela redução sensível dos encargos diretos, como permitiria receita certa para o governo, sem os riscos da parafernália de tributos incidentes sobre a empresa e empregados, além de facilitar a fiscalização e eliminar a sonegação.
Tal proposta apresentei, em Congresso de Agentes Fiscais do Trabalho, de junho de 1994, tendo sido encaminhada por representante brasileiro da OIT (Organização Internacional do Trabalho) àquela organização e publicada nos Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política da Revista dos Tribunais, em seu nº 8 (julho/setembro de 1994), sob o título "A Seguridade Social no mundo moderno".
Estou convencido de que nossa sugestão (Ponte, Cintra e minha) facilitaria o problema da seguridade no país, para ela contribuindo, inclusive, as 5.000 entidades federativas, que devem manter elevada folha de pagamento para aposentados, além de sustentar sistemas próprios de saúde para seus funcionários, afora a assistência social de que se beneficiam. Nada mais justo, portanto, que também contribuíssem para atender seus próprios beneficiários.
A encampação da tese por economistas conhecidos mundialmente e por países desenvolvidos demonstra que nossas sugestões não estavam em caminho incorreto, mormente levando-se em consideração que a comissão do governo anterior para a reforma tributária, então constituída, hospedou, rigorosamente, a proposta dos três, ao sugerir a redução do sistema para quatro impostos e uma única contribuição social, nos moldes do imposto único.
Creio que a revitalização da tese em nível internacional justificaria o reexame da proposta internamente, talvez a melhor solução para os problemas da Seguridade Social apresentada até o momento. Em vez de se atuar numa reforma previdenciária de duvidosa constitucionalidade, em que os direitos adquiridos correm o risco de ser atingidos, à falta de recursos do INSS para o "estoque de obrigações", o melhor seria a adoção de fonte de recursos que, sem ônus consideráveis, recomporia as "burras" previdenciárias, facilitando uma reforma estrutural e não apenas emergencial.

Texto Anterior: Universidades em polvorosa
Próximo Texto: O martírio de ir e vir; Olho na Assembléia; "Cartel do livro"; Para a saúde funcionar; Leitura obrigatória; Planos para os Correios; Riqueza de contrastes; Truculência; Artigo de Alceni Guerra; Por que a surpresa? Violência em Campo Grande; Quércia e Fleury de volta
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.