São Paulo, segunda-feira, 20 de março de 1995
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Universidades em polvorosa

JOSÉ ARTHUR GIANNOTTI

Cuidado com o andor que o santo é de barro. Governo e universidades estão se desentendendo e nada é mais urgente do que reparar essa situação. O governo federal, a meu ver, cometeu dois enganos.
O primeiro diz respeito a esse exame final para os cursos universitários: a medida não foi bem estudada e até agora não estou convencido de que logrará os resultados desejados. Se os cursos universitários precisam ser melhorados, não creio que essa nota final possa avaliar uma instituição.
Por certo um curso de medicina ou de engenharia deve ensinar um mínimo que impeça que o médico mate o paciente ou que o engenheiro construa uma ponte que vá por água abaixo na primeira enxurrada. Como, porém, encontrar uma matriz mínima de saber que defina o advogado competente quando o direito tende a ser cada vez mais especializado? Não basta o concurso feito pela Ordem dos Advogados, que, diga-se de passagem, tenta avaliar o profissional e não o jurista?
Seja como for, não vejo como esse exame possa ser estendido a domínios como aqueles das ciências sociais. Em filosofia, nem se fale. Um excelente helenista será reprovado porque nada sabe de lógica matemática e um mediavalista, porque não entende nada de estética. Em que tais resultados avaliarão as unidades de ensino superior precisamente neste momento em que a autonomia universitária os incentiva a procurar novos caminhos?
O segundo engano do governo federal respeita à questão das aposentadorias. Aqui a dificuldade está na comunicação. Por mais que tenha expressamente declarado que os direitos adquiridos dos servidores não serão atingidos, a desconfiança dos professores é tamanha, o medo de perder seus sagrados privilégios é tão arraigado, que as aposentadorias estão se dando às pencas e há fila na contagem dos tempos de serviço. Uma geração inteira de bons professores pode vir a expulsar a si mesma das universidades.
Como o governo federal ficou à espera de que o envio das propostas de emenda constitucional viesse a esclarecer as dúvidas, permaneceu passivo diante dos fantasmas que tomaram conta das seções de pessoal. E mesmo agora que o pacote já foi enviado ao Congresso —posto que uma lei complementar ainda deve ser proposta— estou seguro de que o professor, lá no seu canto, ficará imaginando que essa lei bem que pode conter um artigo semi-oculto que o venha a prejudicar.
A meu ver, cabe ao governo reestudar essa questão do exame final, reafirmar mais uma vez que não haverá ferida nos direitos adquiridos (professorado é assim mesmo, sendo por isso que precisa ser reciclado) e convém que o corpo docente tome mais suco de maracujá.
No final das contas, todos nós somos responsáveis pela reforma da universidade e não é hora de meter os pés pelas mãos.

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