São Paulo, quinta-feira, 23 de março de 1995
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Carta à noiva Internet

MOACYR SCLIAR

"Querida Charlene Mirabella: através da Folha tomei conhecimento de seu caso de amor —via Internet— com o bibliotecário australiano Robert Boot. Devo dizer-lhe que sua história emocionou-me profundamente. Em primeiro lugar sou, como você, um apaixonado pelo correio eletrônico, um veículo que não só recuperou a palavra escrita, como também a comunicação mais profunda entre as pessoas, que o telefone e a televisão estavam a ponto de destruir. Depois, e muito importante, comoveu-me a sua capacidade de amar.
Você, Charlene, iniciou um romance com o Robert Boot sem jamais vê-lo. Aliás, que sobrenome protético o seu, Charlene Mirabella! Robert jamais irá mirar a bela. Sim, Charlene, ele casou com você; mas você não poderá ir para a Austrália, Charlene, porque aquele país, que em outros tempos aceitou coelhos, hoje recusa pessoas como você, que sofrem de diabete e obesidade. Você, Charlene, é uma espécie ameaçada, tão ameaçada quanto o urso coala: você tem de perder 12 quilos, é o que diz o consulado australiano aí nos Estados Unidos.
Agora —como é que você vai perder 12 quilos, Charlene? Fazendo exercício? Mas como é que você vai fazer exercício, se você está sempre sentada no computador, mandando intermináveis mensagens para o Robert?
As autoridades estão sendo injustas com você, Charlene. E, apesar dos protestos do Robert, acho que há coisas suspeitas em relação a ele.
Em primeiro lugar este sobrenome. Todo mundo sabe que, em linguagem de computador, Boot é uma coisa ótima, é um estímulo para o programa. Mas este Boot aí pelo jeito não é estímulo. Ao contrário: está a indicar que você vai levar um chute, Charlene.
E com isto eu não posso concordar. Acho que a história da Internet seria maculada para sempre com tal desfecho. Eis, portanto, a minha modesta proposição, Charlene.
Vamos nos comunicar, Charlene. Como eu lhe disse, sou um fanático adepto da Internet, que, no Brasil, quase foi estatizada, mas escapou —para a alegria dos namorados que querem usá-la sem limites. Vamos trocar mensagens, Charlene. Tenho certeza de que você vai simpatizar comigo tanto quanto eu simpatizo com você.
E há mais uma coisa, Charlene. O Brasil não cria estas restrições que tanto lhe afligiram. Você é gordinha? Qual é o problema? Pelo menos você não é desnutrida. Você é diabética? Eu lhe arranjo insulina, Charlene. Nós aqui temos dificuldades com remédios, mas eu lhe arranjo.
Você vai gostar do Brasil, Charlene. Nós não temos cangurus, mas não nos faltam tipos interessantes. Responda-me logo pela Internet. Meu computador aguarda ansioso por você."

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