São Paulo, quinta-feira, 23 de março de 1995
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A Previdência e a pulga do umbigo

LUÍS NASSIF

O médico tratou durante 20 anos da doença do fazendeiro. Conseguiu formar o filho, que passou a ajudá-lo na clínica. Um dia, ausente o médico, o fazendeiro liga para o consultório e o filho se dispõe a atendê-lo.
Na volta, o pai encontra o filho radiante. "Sabe aquele problema do fazendeiro, que o senhor trata há 20 anos? Era uma pulga que estava alojada no seu umbigo. Matei a pulga e ele sarou". E o pai, desesperado: "Filho ingrato! Foi essa pulga que financiou seus estudos".
O movimento sindical brasileiro está sendo financiado, há anos, por pulgas de vários calibres, alojadas no umbigo de seus associados. E ai do filho ingrato que se dispuser a removê-las!
A elite sindical goza de vantagens incomparáveis. Detém o controle de máquinas poderosas, seus membros escaparam da sina do chão de fábrica, são financiados por contribuições compulsórias e têm o espaço assegurado pela reserva de mercado da unicidade sindical.
Em troca de tudo isso, oferecem a seus representados o trabalho admirável e indispensável de chiar. Chiam contra a reforma da Previdência, chiam por indexação salarial, chiam por tudo ou por nada. Vez por outra, fazem —como essa Fundação da Saúde, organizada pelo Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo. Mas só vez por outra.

Trabalho duro?
Tome-se o caso da Previdência Social. Porque esses cartolas dos parafusos não engrossam campanha exigindo co-gestão na Previdência? Pois ela não quebrou também por causa de desvio de recursos, de politicagem e roubalheira? Poderia haver retorno mais nobre do imposto sindical do que os sindicatos ajudando a remover essa pulga do umbigo de seus associados?
Mas é tarefa que exige trabalho duro. E como vão fazer sem a pulguinha que os sustentou esses anos todos?
É um ramerrão insuportável que já dura 15 anos e que, além da Previdência, tem como mote maior a indexação salarial.
Os líderes sindicais armam um barulho infernal contra o governo, para que reindexe salário. Mas quem paga os salários são as empresas.
O que ocorre na prática? As empresas reindexam os salários e repassam para preços. Quem paga a conta é o conjunto dos trabalhadores-consumidores.
Aí a inflação aumenta e nossos bravos lideres sindicais irão fazer um novo barulhão contra o governo, que é um safado... porque deixou que eles, sindicatos e empresas, conquistassem aumentos de salários às custas da volta da inflação.
Sindicato que propõe aumentos de salários sem garantir acordos prévios com as empresas, para impedir repasse aos preços, é desonesto. D-e-s-o-n-e-s-t-o!
Se houvesse responsabilidade e menos oportunismo, estariam pipocando acordos setoriais visando, primeiro, estabilidade de preços. Depois, aumentos de salários, casados com participação nos resultados das empresas, sem repasses. Seria o mínimo de responsabilidade social dos sindicatos em relação aos colegas trabalhadores de outros setores.
Mas trabalhar duro, depois de todo o esforço que fizeram para se tornar cartolas sindicais? Nem mortos.
Afinal, a pulguinha do umbigo —assim como a inflação e a Previdência quebrada— sempre será coisa nossa.

Causa e efeito
O último intertítulo da coluna de ontem saiu truncado. O texto completo é o seguinte:
Este país tem enorme dificuldade em estabelecer relações claras de causa e efeito. Não custa lembrar que o Brasil poderia estar fora desse tiroteio cambial, com fôlego suficiente para aguardar as reformas.
Só entrou nessa porque um ministro aventureiro e inescrupuloso —Ciro Gomes—, dentro da mais velhaca tradição política brasileira, conseguiu dois meses de inflação baixa, ao preço de jogar o país de cabeça na crise cambial.
E o crucificado por falta de escrúpulos foi Rubens Ricupero...

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