São Paulo, quinta-feira, 23 de março de 1995
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'Works on Paper' revela quatro novos talentos

KATIA CANTON
ESPECIAL PARA A FOLHA

'Works on Paper' revela quatro novos talentos
O título "Works on Paper" não faz jus ao resultado da coletiva de quatro artistas que abre hoje na Casa Triângulo. O tema foi a maneira imediata de o curador e proprietário da galeria, Ricardo Trevisan, chamar a atenção para mídias tradicionalmente pouco valorizadas no mercado de arte: o desenho e a gravura.
"Como eles têm menos valor comercial do que a pintura, acabam sendo menos expostos", diz o curador.
A exposição é bem mais do que uma mostra de trabalhos sobre papel. Trata-se de uma constatação. Prova que a nova geração poderá sustentar com dignidade a fama positiva que a arte contemporânea brasileira vem conquistando internacionalmente.
As obras de Paulo Whitaker, 36, Erika Verzutti, 23, Giorgia Volpe, 25, e Germana Monte-Mór, 36, não formam um todo heterogêneo, a não ser pela qualidade. Separados em diferentes salas da galeria, os trabalhos quase formam exposições individuais.
Se há uma tendência estética unificadora, ela é a ambiguidade. A produção dos quatro artistas está envolvida numa narrativa subliminar, que fica no meio do caminho entre figura e abstração.
Essa postura híbrida encontra eco na chamada produção pós-moderna internacional, com exemplos nas pinturas de David Salle e Julian Schnabel.
A figuração que ironiza o próprio conteúdo soa, na verdade, como um exercício plástico, realizado por uma geração que já viu testadas as duas fórmulas —abstração e figurativismo— e não fica com nenhuma.
Versutti cria um abecedário peculiar. Com tinta acrílica cor da pele, ela inventa uma nova linguagem, com "letras" que parecem partes do corpo humano. Enfatizando falos, peitos e membros, esse alfabeto faz uma referência bem-humorada aos repetitivos ícones que recheiam a cultura popular.
Paulo Whitaker mistura desenhos à caneta, nanquim, pinturas. Seu papel é um laboratório para riscos, rabiscos, sobreposições de imagens, repetições de formas.
Parecem figuras, mas ele jura que são apenas fragmentos simbólicos sem qualquer preocupação literária ou narrativa.
"Demorei muito para chegar a essa semifiguração, para criar símbolos que não significam nada. Eles apenas estão ali, aglomerados, se revezando com áreas de silêncio."
Paulo Whitaker adquire maestria nesse jogo de fragmentação e sobreposição de imagens. A referência mais próxima de seu trabalho é a do norte-americano Cy Tombly, conhecido por sua utilização de lousas, em que riscos e rabiscos se somam com aparente liberdade.
Giorgia Volpe, revelação do 1º Prêmio Nascente de Artes Plásticas da USP, tem personalidade ao utilizar a técnica da xilogravura.
Em uma definição exagerada ela pode ser vista como uma "escultora da xilo", tamanho o efeito de volume que ela dá as formas esculpidas na madeira e registradas no papel. Suas formas não são claras, mas lembram ora flores ora pedaços do corpo humano.
A carioca Germana Monte-Mór utiliza asfalto, sobre papel de arroz e sobre entretela. Sua obra é um exercício de dualidade.
Seja na construção de um alfabeto artificial, na reprodução de símbolos desprovidos de conteúdo, na construção de massas xilográficas que não se definem, ou na produção de uma abstração que parece lutar para adquirir uma forma própria, os quatro trabalhos conservam um forte tom de ambiguidade.
(KC)

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