São Paulo, quinta-feira, 23 de março de 1995
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Fantasmas rondam nossa cabeça; Pesquisa da Amazônia; Papel do nutricionista; Igreja Católica; Ensino básico; Os culpados

Fantasmas rondam nossa cabeça
"Na última semana, consultei David Osborne sobre uma possível assessoria a meu ministério. Associado a uma empresa nacional, ele faria um breve diagnóstico e em seguida ofereceria suas sugestões ao governo em um seminário. O Banco Interamericano de Desenvolvimento ou a própria Usaid poderiam financiar o trabalho. Com isso estaremos aproveitando a experiência do autor de um notável livro sobre administração pública, 'Reinventando o Governo', já editado no Brasil —um livro pragmático, que relata as experiências descentralizadoras, voltadas para a responsabilidade individual e o controle dos resultados, e orientadas para o atendimento dos cidadãos, que vêm revolucionando a administração de cidades e Estados, de hospitais e escolas públicas, nos últimos 20 anos, nos Estados Unidos. O livro critica o modelo burocrático, centralizado, baseado no controle dos processos e não dos resultados, que ainda é dominante no Brasil, mas critica também os neoliberais, que querem reduzir o Estado ao mínimo. Ao invés, é preciso 'reinventar', ou seja, reformar e reconstruir o Estado. Qual é a minha surpresa quando, no dia seguinte, aparece um jovem jornalista da Folha perguntando se Osborne seria responsável pela 'reengenharia' do Estado brasileiro. Surpresa, primeiro, porque suas idéias pouco ou nada têm a ver com a técnica da reengenharia que outros consultores americanos desenvolveram para as empresas privadas. Segundo, porque espero que ele apenas dê uma consultoria limitada, jamais se encarregue de reformar o Estado brasileiro —tarefa imensa para a qual o próprio ministério que dirijo, apesar de seu nome, poderá dar apenas uma contribuição. A tarefa, na verdade, é de todo o governo. Minha surpresa, entretanto, foi maior ainda quando vejo, nessa Folha, articulistas de primeira grandeza como Clóvis Rossi, Fábio Konder Comparato e Ricardo Semler protestarem contra a possível entrega da reforma do Estado brasileiro a estrangeiros! Vivemos, realmente, tempos conturbados e inseguros. Um tempo em que fantasmas rondam nossas cabeças. Como é possível imaginar que eu ou o governo FHC atribuiriam a um estrangeiro, por mais ilustre que fosse, a tarefa de fazer a 'reengenharia do Estado brasileiro'? Por outro lado, por que, nessa tarefa que é muito nossa, brasileira, não aproveitar seletivamente a experiência estrangeira? O Brasil precisa, sim, de reformas, mas de reformas orientadas para o Brasil, voltadas para o interesse nacional do país. A reforma do Estado é um projeto de toda a sociedade —um projeto prioritário e difícil, que só será alcançado depois de muito debate visando alguma forma de consenso. Um projeto em que é preciso ter objetivos claros, mas também a humildade de estar sempre pronto a aprender."
Luiz Carlos Bresser Pereira, ministro da Administração (São Paulo, SP)

Pesquisa da Amazônia
"Refiro-me à notícia publicada dia 14/03, pág. 1-7, sob o título 'Ab'Saber vence eleição no Inpa, mas governo retarda nomeação'. Cabe observar que o cargo de diretor do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia, órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia e, portanto, da administração pública federal direta, não é eletivo. Trata-se de cargo da confiança e escolha direta do presidente, podendo, para tanto, acatar indicações do ministro da pasta a que se subordina o órgão. Ficou evidente que o eminente cientista Aziz Ab'Saber foi envolvido involuntariamente em um processo ilegítimo e absurdo de sucessão, que não cabe aos funcionários decidir. Finalmente, é preciso ressaltar que o Ministério da Ciência e Tecnologia e, em especial, o ministro José Israel Vargas não receberam em momento algum pressões políticas para nomear quem quer que seja para os cargos de confiança no âmbito do Ministério da Ciência e Tecnologia."
Oskar Klingl, chefe de gabinete do ministro de Estado da Ciência e Tecnologia (Brasília, DF)

Papel do nutricionista
"Reportando-nos ao artigo 'Quem tem medo do exame', de autoria do sr. Gilberto Dimenstein, publicado na Folha de 28/02, que transcreve declaração do governador de Brasília, Cristovam Buarque, 'alarmava-se com o número de alunos de nutrição que, depois de formados, ganhavam dinheiro ajudando madame a emagrecer. Isso num país de subnutridos', temos a esclarecer: 1) o nutricionista é um profissional da área de saúde, portanto com forte componente social em sua formação e extremamente preocupado com a saúde de toda a população. 2) Em vários Estados e municípios do Brasil, inúmeros nutricionistas atuam diretamente na contribuição para a melhoria das condições de saúde do brasileiro, seja em saúde pública (centros de saúde, ambulatórios, programas de alimentação escolar), seja em nutrição clínica (hospitais públicos e privados) ou junto à alimentação do trabalhador (restaurantes industriais). 3) A presença do nutricionista em órgãos governamentais gerenciadores dos programas de suplementação alimentar e outros que atuam junto à saúde pública só não é maior por falta de conhecimento da profissão de nutricionista e talvez por desvalorização desse profissional como atuante na saúde da população. 4) Lamentamos imensamente que para sobreviver muitos nutricionistas tenham que 'ajudar madames a emagrecer', o que não desmerece o trabalho desses profissionais, que estão cumprindo atribuições que lhes são facultadas por lei, quais sejam, exercer atividades de educação alimentar e planejar e prescrever dietas."
Beatriz Edméa Tenuta Martins, presidente do Conselho Regional de Nutricionistas —3ª Região (São Paulo, SP)

Igreja Católica
"Venho observando ultimamente, através de certa imprensa, a idéia no sentido pejorativo de que a Igreja Católica não passa de mais outra seita. Isso é abusar da inteligência do público. A Igreja Católica jamais foi seita e jamais será. Estudem a história. Qual é o crime da Igreja possuir emissora de TV? 'A noviça rebelde no papel de Xuxa?' ('Reengenharia da fé', de Otavio Frias Filho, edição de 16/03). Que tirada mais vulgar! Qual o motivo da Folha ter participado há tempos do culto ecumênico pela paz? Teria sido para faturar? Para engordar o marketing?"
Fernando Pereira Moreira (São Paulo, SP)

Ensino básico
"Acho louvável a mudança que o presidente Fernando Henrique está procurando fazer com o ensino nas universidades, mas acredito ser de muito maior importância uma revisão da educação nas nossas escolas públicas nos 1º e 2º graus. Se continuar como está, pouquíssimos alunos terão condições de passar num vestibular."
Rosana M. Duarte (Monte Mor, SP)

Os culpados
"Repentinamente, tudo converge para a ausência de reação da maioria da população apartada, muito mais cansada, de fato fisicamente incapacitada, do que o atacado escriba pequeno-burguês e a classe média culturalmente lúmpen. Mas os bandidos estão todos concentrados nas empresas estatais. Estão entre os aposentados, sobretudo aqueles das estatais. Estão nos fundos de pensão que não pertencem aos grandes bancos. Estão, sobretudo, nos fundos de pensão das estatais. São os grandes vilões que deverão ser execrados por, nem sempre por corporativismo, terem conseguido salário e ambiente e condições de trabalho melhores do que o usual histórico no país. Por terem ousado desenvolver parcas, porém crescentes, tecnologias de ponta. Puna-os! Ninguém abrirá a boca."
Olavo Cabral Ramos Filho (Rio de Janeiro, RJ)

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