São Paulo, quinta-feira, 23 de março de 1995
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Universidades federais -a hora do diálogo

TOMAZ AROLDO DA MOTA SANTOS

Universidades federais —a hora do diálogo
Torna-se cada vez mais evidente que a gestão das universidades depende da autonomia
Há algum tempo, multiplicam-se críticas às universidades federais: elas seriam ineficientes, pouco produtivas, lugares de privilégios para servidores e para uma minoria de jovens de famílias abastadas. Tais críticas, na maior parte das vezes, são veiculadas sem a devida apresentação de dados que sejam consistentes e colocados em perspectiva comparativa, no âmbito nacional.
Dois exemplos ilustram o que se quer dizer: a questão da origem social dos estudantes e a da evasão escolar nas instituições federais de ensino superior (Ifes). É corrente a versão de que os estudantes das Ifes vêm das camadas sociais mais ricas. Estudos recentes mostram que apenas 25% do alunado pertence a essas camadas, enquanto 50% origina-se das classes médias e os 25% restantes, para prosseguirem seus cursos, precisam receber algum tipo de apoio material. Quanto à evasão —referida recorrentemente como superior a 50% nas Ifes— alcança, na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), a taxa média de 9%.
Reconhecendo a necessidade de avaliação do desempenho das Ifes, parece-me conveniente, no entanto, que se busque enfrentar esse desafio sem perder de vista o contexto histórico em que ele se coloca. Há de se considerar, antes de tudo, a rapidez da expansão das universidades federais nos últimos 25 anos, tanto em número de vagas quanto em número de cursos de graduação, pós-graduação, publicações, pesquisas e atividades de extensão.
A UFMG passou de 27 cursos de graduação em 1970 para 40 em 1995; de 21 cursos de pós-graduação em 1970 para 104 em 1995; de 13.648 alunos em 1970 para 22.164 em 1995. Em 1993, matricularam-se 25.541 alunos em cursos de extensão. Todas estas atividades têm sido realizadas, desde meados dos anos 80, por um número médio em torno de 2.800 docentes.
Isso ocorre num contexto em que as áreas de especialização técnica e científica vêm sendo ampliadas de modo acelerado e sofisticado, requerendo investimento crescente na qualificação do corpo docente. Esse processo corresponde ao que se poderia chamar de "profissionalização" das universidades, ou seja, estruturou-se gradualmente a carreira docente e clarificou-se a natureza do vínculo da universidade com o setor produtivo e o setor público.
A indústria e os serviços diversos, bem como os governos, passaram a buscar nas universidades federais muito mais que mão-de-obra qualificada. Propõem convênios e parcerias variadas nas áreas econômica, social, cultural, tecnológica e de políticas públicas.
Esse quadro complexo é indicativo da evolução recente das universidades federais no Brasil. Do ponto de vista de seu funcionamento, passaram a exigir mais investimento em pessoal, equipamentos, edificações e apoio à pesquisa. Do ponto de vista de suas relações com a sociedade, passaram a ser cada vez mais solicitadas em termos de prestação de serviços, de produção e divulgação de conhecimentos. Em especial, as Ifes assumiram a formação dos quadros docentes e de pesquisadores, tanto para o sistema produtivo como para o conjunto das instituições de ensino, aí incluídas as do sistema privado.
Os dirigentes das universidades federais, por sua vez, estão conscientes dos problemas de gestão dessas complexas organizações, em circunstâncias nas quais as boas soluções exigem cada vez mais a avaliação institucional e o planejamento criterioso.
Torna-se cada vez mais evidente que a gestão universitária depende da autonomia. Esta, no entanto, deve ser concebida de modo a preservar, simultaneamente, a liberdade acadêmica e a manutenção das condições adequadas para o trabalho de docentes, de pesquisadores, de alunos e servidores. Vários dos problemas atuais de funcionamento das universidades federais decorrem, então, da sua própria ampliação, que foi muito rápida e abrangente. Paralelamente, as próprias universidades colocam para si mesmas o desafio de manter e elevar a qualidade de seu trabalho, ideal que tem sido buscado.
Não creio, então, que a discussão necessária sobre o ensino superior no Brasil deva partir da premissa da desqualificação das universidades federais. Isto engendra no seio das instituições um clima de desestímulo e até de confronto que pouco ou nada contribui para o debate construtivo sobre o aprimoramento das universidades.
Parece-me que a melhor estratégia para o debate sobre as universidades federais é a busca do diálogo, a troca de informações e idéias entre a sociedade, o governo federal, o Congresso Nacional e as universidades. Essas são bastante diferentes em termos de sua história, dos recursos humanos disponíveis nas regiões em que se acham, da capacidade instalada para produção acadêmica e de seu impacto regional.
Não convém, portanto, para o bom encaminhamento da avaliação adequada do sistema federal de ensino superior, ignorar essas diferenças. Nem é conveniente discutir "o problema da universidade" negligenciando o papel que as universidades federais têm cumprido historicamente no processo de desenvolvimento do país.
Nessa perspectiva, faz sentido o apelo para que o debate sobre as Ifes se estabeleça na base do partilhamento de experiências e da troca de idéias. A desqualificação de atores e o clima de confronto, em questão tão crucial para o país, não podem interessar a ninguém.

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