São Paulo, quinta-feira, 23 de março de 1995
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Gazeteiros

Há deputados da Assembléia Legislativa de São Paulo que assinam às terças-feiras a lista de presença das segundas e das sextas-feiras anteriores. A fraude —admitida pelo presidente da Casa, Ricardo Tripoli— indica que alguns deputados estaduais agem exatamente como estudantes relapsos que não querem "estourar em falta" nem assumir a ausência. "Estourar em falta", aqui, equivaleria à cassação, segundo o regimento interno da Assembléia. O comportamento seria cômico, não fosse insultuoso.
Insultuoso, antes de tudo, para com o eleitor que, ao escolher seu representante, com certeza não espera que ele falte ao dever logo nos dois primeiros dias de mandato. Ao haver tão cedo essa decepção, é natural que se desgaste ainda mais a imagem da classe política. Incorpora-se ao senso comum a convicção de que "político ganha sem trabalhar" sem que se questione mais a imoralidade disso. O fato se torna insultuoso também contra os próprios políticos, o que é, no mínimo, danoso à democracia.
Nesse sentido, a solução encaminhada por Tripoli da "semana de três dias", ao legitimar uma prática viciada, pode ser um tiro pela culatra. Se é "demagogia" ignorar a necessidade para um político de consultar as bases e elaborar projetos, seria de sua responsabilidade criar condições para que isso possa ser feito sem jornadas de trabalho privilegiadas ou ausências encobertas.
No Congresso Nacional —onde, a rigor, a maior distância entre os deputados e as bases justificaria a medida— a jornada de três dias já é praxe. Deve-se lembrar, no entanto, que ela não é ponto pacífico nem entre os próprios deputados desta Casa. Em um manifesto lançado no último dia 24 por um grupo suprapartidário de deputados novatos consta a reivindicação de trabalhar de segunda a sexta-feira, como a maioria de cidadãos que eles representam. O gesto poderia ser considerado demagogia. Mas a palavra mais correta é dignidade.

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