São Paulo, quinta-feira, 23 de março de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Como usar um velho

GILBERTO DIMENSTEIN

BRASÍLIA — Oficial da reserva da Polícia Militar da Bahia, Climério Vasconcelos Souza tem 94 anos. Viajou 36 horas, o que já seria pesado a um jovem. Saiu de Salvador e veio a Brasília para engrossar os protestos contra a reforma constitucional. É cruel, óbvio. Mas, vamos reconhecer, um belo golpe publicitário patrocinado pela CUT e PT.
Usando recursos de prefeituras e do governo do Distrito Federal, comandados pelo PT, a CUT conseguiu trazer para manifestação de ontem centenas de velhos. Deu um toque emocional à manifestação, misturando aqueles seres com dificuldade de locomoção a palavras de ordem contra, por exemplo, o fim dos monopólios —monopólios que interessam aos sindicatos de estatais.
Veja como a política é cruel. Apesar da saúde frágil, os velhos viajaram mais de um dia para protestar contra as mudanças na Previdência. A maioria nem sequer tinha idéia de que seus direitos não serão mexidos, estão garantidos.
Daí se vê como o presidente Fernando Henrique Cardoso mostra-se incompetente para explicar à nação suas idéias e propostas. Não consegue explicar, primeiro, o óbvio: nenhum daqueles velhos deveria se preocupar.
Menos óbvio: qualquer governo, no futuro, vai quebrar se, hoje, não forem realizadas alterações no sistema de aposentadorias. É só colocar os números no papel.
Não é só uma questão financeira, mas também moral: existem escandalosos privilégios para funcionários públicos, ganhando aposentadorias que a imensa maioria daqueles velhos na manifestação jamais sonharia em ter no bolso.
Devido a essa deficiência de comunicação corre-se o risco de derrota no Congresso. Ontem, por exemplo, a emenda da Previdência foi picotada em vários pedaços, cada qual, agora, passa a tramitar separadamente.
PS — A discussão sobre reforma constitucional pouco tem de ideológica. Não é uma disputa entre "esquerda" ou "direta", "neoliberais" ou "progressistas". No campo de batalha estão quem tem privilégios e quem não tem privilégios.

Texto Anterior: De susto em susto
Próximo Texto: A centralidade do Banco Central
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.

Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.