São Paulo, sexta-feira, 24 de março de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O fator Bisol e o fator Arida

LUÍS NASSIF
O FATOR BISOL E O FATOR ARIDA

A cada dia que passa surpreende mais a incapacidade das elites políticas de entender os novos tempos. A sociedade avançou enormemente depois do impeachment de Collor. Há uma nova ética, muito nítida, pontuando a atuação da chamada opinião pública. E movimentos de opinião pública que, à custa de repetição, já criaram um padrão —que os políticos custam a entender adequadamente, sejam eles coronéis nordestinos, esquerda petista ou intelectualidade tucana.
Nossos bravos políticos continuam se comportando como se o país fosse aquele fazendão aprazível, onde as relações pessoais são mais relevantes que a segurança do Estado. E tendem sempre a postergar decisões inevitáveis, expondo seus partidos, seus governos —e os personagens que pensam estar defendendo— a desgastes desnecessários.
Sem pretender comparar personagens e condutas, foi assim com a novela Eliseu Resende. Não há crime algum em viajar de avião tendo como vizinho de poltrona funcionário de empreiteira. Mas a soma de circunstâncias que cercavam o episódio permitia antever —a quem soubesse ler os sinais— que, no dia em que compareceu ao Congresso e, aparentemente, saiu de lá absolvido, Resende já era cadáver. Entre sua morte e seu enterro, crepitou uma fogueira que consumiu boa parte da credibilidade do governo Itamar.
O mesmo ocorreu meses depois com o senador José Paulo Bisol, candidato a vice-presidente na chapa de Lula. Um episódio menor, mas com agravantes —ele ser um Catão, por exemplo— fulminou-o instantaneamente. A demora do PT em enterrá-lo sepultou de vez a candidatura Lula, e magoou desnecessariamente o próprio senador. Em vez de enterro viking, teve vala comum.
O caso Arida
O governo Fernando Henrique Cardoso vive momento semelhante com o episódio Pérsio Arida. Espremendo-se todas as explicações sobre os supostos vazamentos na política de câmbio, resta uma informação consistente e preciosa para resguardar a biografia de Arida. No dia 1º de março —primeiro dia útil após sua estada na fazenda dos Bracher— o BBA nada desconfiava sobre as mudanças cambiais. Tanto assim que não renovou seu estoque de NTNs cambiais. A convicção do BBA se alterou em 180 graus nos dois dias seguintes. Portanto, Arida está inocentado da suspeita de inconfidência rural.
Só que o malabarismo para contornar a situação criou trincas em cristais. Alguns críticos ferozes dos últimos episódios —como os deputados Delfim Netto e Maria da Conceição Tavares— trataram o presidente do BC com a deferência que se presta a homens de bem e a responsabilidade que se espera de homens públicos responsáveis.
Mas Arida compareceu ao Senado e garantiu que, estatisticamente, não havia nenhuma instituição com atuação suspeita nos dias que antecederam o anúncio da mudança na política cambial. Estatisticamente, havia. E quem conhece mercado sabe que as explicações de alguns dos envolvidos não foram convincentes.
A cada tentativa de corrigir um erro, comete-se outro maior, aumenta mais o desgaste do governo e as expectativas em relação à estabilidade da economia. É imprudência prosseguir nessa escalada.

Texto Anterior: Ruggiero leva a OMC, com ressalvas
Próximo Texto: Importadores de carros prevêem 'guerra de preços'
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.