São Paulo, sexta-feira, 24 de março de 1995 |
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'Fervura Máxima' renova cinema popular
INÁCIO ARAUJO
Produção: Hong Kong, 1992, 126 min. Direção: John Woo Elenco: Chow Yun-fat, Tony Leung, Anthony Wong Onde: a partir de hoje nos cines Marabá e Biarritz Diz a piada —ou o preconceito— que no Japão (e por extensão a China, Hong Kong) todo mundo tem a mesma cara. "Fervura Máxima" parece feito, em parte, para reafirmar a imensa confusão facial que experimentam os ocidentais. Ou melhor, para aprofundá-la. Pois, além do rosto igual, os personagens de John Woo têm o costume de fazer, quase todos, jogo duplo: ao mesmo tempo são policiais e infiltrados nas gangues que dominam Hong Kong. E aqui não estamos no território nem da piada nem do preconceito. Um dos maiores temores dos policiais deste filme é matar um gângster e, em seguida, descobrir que na verdade era um companheiro de corporação. Esses temores não são a essência do filme, mas definem bem o estilo hiperbólico de John Woo. Para ele não basta que as pessoas se matem. É preciso uma média de 300 tiros para chegar a um cadáver. Não basta que as gangues tenham dezenas de integrantes. É preciso, ainda, que eles se multipliquem de maneira quase infinita a cada sequência. Aí é que está a graça da coisa. O argumento de "Fervura Máxima" é digno de um telefilme policial ordinário. O policial Yuen (Chow Yun-fat) quer liquidar umas tantas gangues, responsáveis pela morte de seu parceiro. Com um ponto de partida desses, é difícil ir longe. Aí entra a arte do cinema segundo Woo, para quem o espetáculo parece ser um grande, contínuo desregramento dos sentidos. Daí as formidáveis alterações de velocidade no interior de uma mesma cena, onde é possível passar da câmera acelerada à câmera lenta de um plano a outro, operar congelamentos inesperados da imagem, distorcendo o tempo, criando exasperações, jogando o espectador no interior de um verdadeiro balé rítmico. Porque as inúmeras sequências de tiros, batalhas, corridas não obedecem a um critério realista. É como se estivéssemos vendo um musical movido ao som de balas e granadas. Essa característica leva "Fervura Máxima" para bem longe do chamado cinema da violência. Em vez disso, o que conta é a tradição do cinema como arte popular. Esse o aspecto mais interessante de "Fervura Máxima". Desde a entrada da TV em cena, o cinema aos poucos tornou-se uma arte de classe média. O repertório popular deteriorou-se. Como Hong Kong permaneceu fora desse movimento, é natural que essa tradição comece a se renovar por lá. E que, sintomaticamente, Hollywood já tenha importado John Woo (que fez "O Alvo", com Van Damme). Em Hong Kong não faltaram tecnologia e talento para desenvolver os efeitos do filme. Mas Hollywood é o lugar certo para Woo. E Woo é o cara de que Hollywood precisa para renovar o filme de ação. Texto Anterior: Intolerância altera o destino Próximo Texto: Jessica Lange encobre falhas de "Céu Azul" Índice |
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