São Paulo, sexta-feira, 24 de março de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A importância da avaliação das universidades

HÉLGIO TRINDADE

A controvérsia em torno da recente medida provisória do governo para o ensino superior provocou uma sequência de mal-entendidos sobre a complexa questão da avaliação das universidades. A tônica do debate opôs, de forma reducionista, os reitores criticando a medida e o presidente da República acusando-os de "mal-informados".
Os artigos e editoriais da imprensa, por sua vez, têm interpretado as críticas dos reitores como "medo da avaliação" ou "resistência corporativa". É urgente que a controvérsia seja colocada em outros termos, que de fato contribuam para o esclarecimento da opinião pública.
Aliás, o primeiro sinal de uma discussão mais adequada foi dado pelo professor José Arthur Giannotti, um dos intelectuais próximos ao presidente da República. Em recente artigo publicado nesta página (20/03), admite que o governo cometeu um erro: "A medida não foi bem estudada e até agora não estou convencido de que logrará os efeitos desejados. Se os cursos universitários precisam ser melhorados, não creio que essa nota final possa avaliar a instituição".
O eixo da discussão deve, a meu ver, ser deslocado para as questões realmente substantivas, sob pena de obscurecermos mais que contribuirmos para o avanço da necessária avaliação das universidades.
A avaliação é um tema central da literatura especializada e da prática das universidades no país e no exterior. No Brasil, a discussão em torno dos modelos internacionais de avaliação já vem ocorrendo há mais de uma década, com seminários e colóquios nacionais e internacionais.
Questiona-se, hoje, o modelo inglês de avaliação implantado no bojo da política neoliberal do governo Thatcher, baseado em critérios de produtividade acadêmica e estritamente vinculado ao financiamento governamental das universidades.
Na Europa continental, o sistema francês, coordenado por uma Comissão Nacional de Avaliação, integrada por especialistas de alto nível, realiza periodicamente nas universidades avaliações que enfatizam o cumprimento de sua "missão pública".
O sistema mais abrangente, porém, é o holandês que combina a avaliação qualitativa e a quantitativa visando a melhoria da qualidade do ensino e da pesquisa, com políticas de apoio às instituições para manter ou melhorar os seus padrões de desempenho.
A recente proposta do governo, de exame final para os cursos universitários, no entanto, não se inspira na teoria ou nas experiências referidas e, apesar de seu impacto, não pode, a rigor, ser confundida com o conceito de avaliação.
Na América Latina, além do Chile (que priorizou a avaliação do ensino superior privado que é, como em nosso país, amplamente majoritário), o México e mais recentemente a Argentina e o Brasil têm já suas experiências no campo da avaliação. É verdade que a primeira tentativa foi traumática, com a publicação pela imprensa da "lista dos professores improdutivos" da USP (Universidade de São Paulo).
Esse incidente gerou, na época, uma postura de resistência à idéia de avaliação, politizando-a durante o governo Collor, ocasião em que as propostas de avaliação indicavam uma clara preferência pelo modelo inglês.
A mudança na cultura institucional das universidades com relação à avaliação deu-se, justamente, por iniciativa dos reitores das universidades federais. O projeto de avaliação institucional, elaborado sob minha coordenação em 1993, foi aprovado pela unanimidade dos dirigentes da Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes de Instituições Federais de Ensino Superior) e está sendo voluntariamente implementado pela maioria das universidades federais.
Esse processo, que dura em média 18 meses e está centrado nos cursos de graduação, compreende três fases sucessivas: a auto-avaliação da universidade por seus segmentos constitutivos, a avaliação externa por especialistas —ambas permitindo um diagnóstico realista das instituições— e uma terceira etapa, que corresponde à implementação das medidas necessárias para elevar a qualidade dos cursos.
Tal modelo aproxima-se conceitualmente da bem-sucedida avaliação da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e tornou-se o projeto aceito pelas universidades estaduais, comunitárias e privadas. Nesse contexto, pois, não parece sério colocar as universidades numa posição dilemática: ou encaram a proposta do governo como uma panacéia ou são acusadas de resistirem corporativamente à avaliação.
A posição dos reitores, reafirmada na recente reunião da Andifes, tem sido francamente favorável a uma avaliação em profundidade que aperfeiçoe a qualidade de seus cursos de graduação, a gestão universitária e preste contas à sociedade.
A bem da verdade, o que criticam os reitores das universidades federais é o fato da proposta do governo ter sido adotada por medida provisória, sem uma discussão amadurecida com a comunidade universitária e demais interlocutores, fazendo tabula rasa dos esforços que já avançaram dentro das próprias universidades, com base em padrões internacionais.
Finalmente, não se pode renunciar a um outro argumento que é também dado de realidade nas últimas décadas. O governo federal implementou, deve-se reconhecer, uma vigorosa política de expansão e qualificação da pós-graduação, ainda que seus recursos se tenham reduzido a tal ponto, nos últimos anos, que está quase levando ao colapso do sistema. Por que o governo, tão cioso da qualidade dos profissionais que são lançados ao mercado, não define uma política consistente e estável de apoio aos cursos de graduação?

Texto Anterior: Eficiência e equidade
Próximo Texto: Processo de Lula contra a Folha; Ação trabalhista; União sem casamento; Prioridades; Hora da escola;
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.