São Paulo, sábado, 25 de março de 1995
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Telecomunicações, democracia e cidadania

MIGUEL ROSSETTO; MÍLTON TEMER

MIGUEL ROSSETTO e MÍLTON TEMER
A maneira de o governo FHC lançar a emenda da quebra do monopólio estatal das telecomunicações, uma das primeiras do pacote da reforma constitucional, é um grave desrespeito à sociedade e esconde uma estratégia de resolver o assunto sem profundas discussões. Simultaneamente, procura atacar a questão com outros instrumentos. Ma MP (medida provisória) 890, a princípio destinada a regular a concessão do setor elétrico, o governo adianta-se em regulamentar a concessão dos serviços de telecomunicações, iniciativa claramente vedada pela Constituição.
O governo procura obscurecer o debate, diminuir a sua importância e negar as suas consequências ao conduzi-lo apressadamente, não apresentando qualquer modelo de telecomunicações para o país. Usando eufemismos como "flexibilização", associados à cândida visão de "desconstitucionalização", o governo edita novas MPs, exacerbando o seu poder em detrimento do debate democrático.
O projeto do governo FHC é claro. Retira o monopólio da operação por empresa estatal —ou seja, é o desmonte do atual modelo, com privatização parcial via concessões ou venda das estatais. As deficiências do atual modelo não serão superadas com essa opção. Pelo contrário: serão ampliadas.
Discutir telecomunicações é debater acesso, qualidade e controle de informações. Tratar de democracia, cidadania e poder político. Discutir o setor da economia que mais se desenvolveu tecnologicamente nos últimos anos e é um instrumento fundamental para qualquer projeto nacional de desenvolvimento.
O debate a ser feito, portanto, orienta-se pela definição de qual modelo é capaz de melhor assegurar a universalização do direito à informação, à qualidade e à pluralidade da informação e que seja um instrumento de política de desenvolvimento nacional capaz de contribuir para superar suas profundas desigualdades sociais.
O atual modelo de telecomunicações tem virtudes e defeitos. Fundamenta-se num sistema estatal integrado nacionalmente por uma rede solidária, sustentada por política tarifária baseada no subsídio cruzado (áreas mais rentáveis sustentam a manutenção de serviços em regiões e setores deficitários, garantindo sua função social). Dezoito mil localidades atendidas, cerca de 12 milhões de terminais e aporte tecnológico de vanguarda são alguns dos seus resultados, embora não tenha conseguido universalizar o acesso da população a seus serviços.
É um modelo baseado em uma parceria ampla com a iniciativa privada —do fornecimento de equipamentos à participação no capital. Uma análise do nosso modelo de telecomunicações deve considerar todo o processo de concentração de renda e exclusão social dos últimos anos no Brasil.
O governo usa argumentos falaciosos. Fala em "tendência internacional do setor de telecomunicações" sem apontar exemplos —na Europa, com exceção da Inglaterra, não há qualquer processo de privatização. Existe uma mudança na gestão estatal, com a adoção de modelos empresariais com participação do capital privado, semelhantes ao brasileiro. Os outros países rejeitam a idéia de não ter o controle dos seus sistemas de telecomunicações.
Na América Latina, os neoliberais viram, constrangidos, os monopólios das telecomunicações passarem de suas estatais para as estatais européias —caso da France Telecom e da espanhola CNTE no México, Chile e Argentina.
Não se esqueça, também, que as tarifas do sistema foram depreciadas como instrumento de controle da inflação em sucessivos planos de estabilização e que sofrem, ainda, a política de subsídios no mínimo duvidosa para grandes grupos privados (por exemplo: as pagas pelos grandes meios de comunicação). O sistema, entretanto, vem investindo por ano, em média, de US$ 3 bilhões a US$ 4 bilhões, tem endividamento baixíssimo e enorme potencial de captação, interna e externamente. O governo fala também no óbvio: atender à demanda reprimida por telefones, mas é preciso fazer levantamento das linhas telefônicas usadas para especulação e das famosas linhas de aluguel.
Negando toda a experiência internacional, o governo aposta no caráter filantrópico do capital. Qual empresário investiria em telefonia e serviços no Pará, ou em uma favela carioca, ou em uma escola do interior gaúcho?
Na verdade, os processos de privatização na América Latina revelam que a demanda, salvo em áreas de elevada especialização, tem sido resolvida pelo aumento das tarifas e/ou preço de linhas, segundo "critérios de mercado". Em vez de aumentar a rede, resolve-se o problema da demanda eliminando-a e não satisfazendo-a.
O governo propõe para o Estado um papel limitado ao seu poder concedente, regulador e fiscalizador, retirando sua função operacional. O exame da situação das redes de televisão no Brasil permite entender melhor que tipo de poder "concedente", "regulador" e "fiscalizador" está reservado ao Estado brasileiro.
Muitas vezes nos perguntamos quem é o poder concedente e quem é o concessionário —nessa incestuosa relação entre os governos e os grandes grupos privados de comunicações. Aprovada a proposta de FHC, teríamos um sistema mais excludente, mais perverso no seu acesso e definitivamente afastado da tão necessária democratização. É isso o que o governo apresenta: um modelo oculto, sustentado por argumentos enganosos, quando o país precisa aproveitar as virtudes e superar os defeitos do atual sistema.
Só o monopólio estatal —transformado em monopólio público com a democratização de sua gestão e efetivo controle social— é capaz de universalizar o direito à informação, bem como a permanente atualização tecnológica do setor. É fundamental, também, a democratização dos meios de comunicação de massa: exige-se uma mudança radical no gerenciamento do sistema, com definições claras e transparentes das estratégias de investimento e das tarifas e subsídios. Necessita-se redefinir a legislação que dificulta a agilidade administrativa das empresas estatais, reforçando as responsabilidades gerenciais das diretorias.
O Partido dos Trabalhadores, simultaneamente à defesa radical da Constituição, apresentará propostas para as mudanças necessárias. Propostas que deverão ser discutidas pelo Congresso em audiências públicas, com a participação da sociedade. Debateremos, então, a construção da resistência à desastrosa política do governo, que sepulta esperanças de uma nação justa, solidária, com autonomia para definir seu próprio futuro.

MIGUEL ROSSETTO, 34, é deputado federal pelo PT do Rio Grande do Sul. Foi diretor da Executiva Nacional da CUT (1992-94).
MÍLTON TEMER, 56, é deputado federal pelo PT do Rio de Janeiro e membro do Diretório Nacional do PT.

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