São Paulo, domingo, 26 de março de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

'Um vereador quis me levar para o motel'

DO ENVIADO ESPECIAL

Aos 15 anos de idade, José Nogueira Tapeti Sobrinho, a Kátia, 42, insistia com o pai para ir embora de Colônia, na época apenas um povoado pertencente ao município de Oeiras (PI).
"Seu" Sebastião Nogueira brecava a saída do filho. Tinha medo que ele "virasse mulher" na cidade grande. "Acabei virando travesti por aqui mesmo, vê como são as coisas".
Na tarde de terça-feira, ao lado do seu companheiro Benervaldo Francisco, no "Bar Kátia", de sua propriedade, ela concedeu entrevista à Folha. A seguir, os principais trechos:

Folha — Desde quando você percebeu que era homossexual?
Kátia —'Vixe!,' desde cedo. Sempre tive o jeito e aos dez anos, todo mundo já sabia que a minha era outra. Nas brincadeiras de boi e vaca eu só queria ser a vaca. Estava escrito. Era o destino.
Folha — E os seus pais, como viam esse comportamento?
Kátia— Logo aos 14, 15 anos, eu pedia para ir embora para Teresina, Rio ou São Paulo. Meu pai, que já morreu, temia que eu virasse travesti, bicha mesmo pra valer, numa cidade maior. Que Deus o tenha, pois sou muito católica, mas quando a gente que ser não tem jeito. Minha mãe, que também já morreu, era mais compreensiva. Nem ligava para a mocinha que tinha dentro de casa.
Folha — Você enfrentou muito preconceito em todos esses anos?
Kátia— Não, o povo se acostumou com o meu jeito e fui conquistando mais respeito a cada dia. Fui convencendo todo mundo com o meu trabalho.
Na eleição, em 92, tinham alguns políticos que tentaram me desmoralizar, pois estavam perdendo terreno para mim. Diziam que a minha candidatura seria cassada, alegando proibição da lei, o que era mentira. Foi uma baixaria, mas acabei sendo eleita, numa eleição com 30 concorrentes para nove vagas.
Folha — Como você é tratada pelos colegas vereadores?
Kátia — Hoje até recebo cantadas. Um deles (diz o nome, mas pede para que não seja publicado) outro dia queria me levar para um motel em Picos (PI).
Ele disse: vereadora, eu vi tanto travesti bonito na televisão e pensei tanto em ti. Eu disse: Deus me livre, você é casado, sua mulher é minha amiga e eu tenho meu homem e vivo abastecido de sexo.
Não sou carente, não estou precisando. Ele insistia, dizendo que seria bonito uma coisa entre um vereador e uma vereadora. Ele é bonitão, mas sinceramente eu não topei nem toparei. Saltei fora.
Folha —Você é o único homossexual assumido da cidade? Ou existem outros entre os 7 mil habitantes?
Kátia — Declarada mesmo somente eu. Tem outro que conversa comigo, se abre comigo, me admira, mas diz que não tem coragem para tanto. Você vê e acha que é um machinho, mas sai da cidade para namorar outro fora daqui. Eu tento passar coragem para ele, mas não tem jeito. Ele está certo, não adianta forçar nada. Eu respeito.
Folha — Você já pensou em mudar de sexo, com uma cirurgia?
Kátia —Já pensei em fazer a cirurgia, como Roberta Close, mas tenho medo. Minhas amigas e eleitoras também recomendam que eu não faça. Nem hormônio eu tomei, pois aqui é difícil conseguir. O que eu sou é da tendência e de gostar de ser mulher.
E de partido, já pensou em sair do PFL?
Kátia — Já recebi muitas propostas. Os padres da região me chamaram para o PT, dizem que meu trabalho parece mais com o PT. Outros políticos queriam me levar para o PMDB, PPR etc. Mas sou amiga do senador Hugo Napoleão (PFL-PI) e prefiro ficar do lado dele (mostra uma foto ao lado do senador).
Você votou em quem para presidente?
KátiaVotei no Fernando Henrique Cardoso e quero que a sua mulher, Ruth, que parece uma pessoa maravilhosa, me ajude no meu trabalho junto aos pobres daqui. Ganho só R$ 266 e gasto esse dinheiro todo com caridade.
Folha — Quando você "casou"?
Kátia — Há uns nove anos. Uso aliança e tudo. Brigamos pouco. Outro dia ele quebrou um disco de Núbia Lafayete com ciúme. Eu estava ouvindo uma música que falava de ex-amor.
Ele achava que eu estava lembrando de outro. Bobagem.

Texto Anterior: Travesti vira líder político no sertão
Próximo Texto: Marido diz que gosta de mulher
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.